E não consta que a Noruega tenha aderido incondicionalmente (nem de longe nem de perto) à cartilha neoliberal dominante na Europa comunitária. O estado social parece continuar bem vivo nesse país nórdico. Talvez não tenhamos os recursos da Noruega. Talvez não tenhamos a mentalidade dos nórdicos. Mas creio que gente com bom senso, rigor, séria e com princípiops éticos ainda existe neste país....
O texo original está aqui:
http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=%2Fmain%2Easp%3Fdt%3D20070603%26page%3D20%26c%3DA
Kristin Halvorsen, a esquerdista que controla o capital
03.06.2007, José Vítor Malheiros
O seu nome é praticamente desconhecido do público e até dos media, fora do seu país. Se dissermos que Kristin Halvorsen é ministra das Finanças da Noruega, a reacção não costuma ser mais entusiasta do que um "Ahhh...".
Se acrescentarmos que, na sua qualidade de ministra das Finanças, Halvorsen controla o Fundo de Pensões do Governo norueguês, os nossos interlocutores bocejam discretamente. O interesse só aumenta quando dizemos que o Fundo de Pensões se chamava até ao ano passado Fundo do Petróleo e se recorda que a Noruega é o terceiro exportador mundial de petróleo, depois da Arábia Saudita e da Rússia. Depois, basta dizer que o fundo recolheu nos últimos dez anos a quantia de 300.000 milhões de dólares e que é actualmente o maior fundo de investimento europeu e um dos maiores do mundo. O que se chama um "heavy player".
Mas o que tem atraído a atenção dos especialistas no Government Pension Fund norueguês é o facto de o fundo ter aprovado em 2004 um exigente código de ética que Halvorsen tem estado a pôr em prática de forma rigorosa. Em que consiste o código de ética? O fundo não investe em empresas responsáveis por violações dos direitos humanos, cuja actividade prejudique gravemente o ambiente ou que pactuem com a corrupção.
É o chamado "investimento socialmente responsável", de que todos falam, mas que quase ninguém pratica. De facto, os códigos de ética para o investimento não faltam - apenas tem faltado a ética no investimento.
Outra das novidades da direcção imposta por Halverson é a publicidade das opções do fundo, que já decidiu não investir em empresas como a Boeing, a Lockheed Martin, a General Dynamics, a Honeywell, a Raytheon ou a Northrop - grandes empresas do sector militar responsáveis pelo fabrico de armas nucleares e outras armas consideradas desumanas.
A lista das empresas excluídas está publicada na Internet, assim como as razões da exclusão (http://www.norges-bank.no/nbim/pension_fund).
A última estrela da lista negra foi nada menos do que a cadeia de retalho Wal-Mart, acusada de beneficiar do trabalho infantil de fornecedores no Bangladesh e China. O fundo simplesmente despejou no mercado 400 milhões de acções da empresa, ao mesmo tempo que publicava o comunicado explicativo da acção. A Wal-Mart esperneou e meteu a Administração americana na discussão para fazer pressão. Halvorsen explicou que essas decisões pertenciam ao Conselho de Ética e à direcção do fundo mas foi avisando que os critérios éticos são para seguir e mesmo... para reforçar. Em discussão está neste momento a suspensão do investimento em empresas que contribuem de forma irresponsável para o aquecimento global. A dificuldade consiste em definir que linhas de acção devem ser estabelecidas, quando a riqueza do fundo provém do petróleo.
Investimento ambiental
Há dificuldades com estas orientações: uma delas é o facto de o escrutínio prejudicar tanto mais as empresas quanto mais transparentes elas forem sobre a sua actividade - o que quer dizer que as empresas americanas são penalizadas e que pode haver enviesamento na aplicação dos critérios. Mas Halvorsen responde que o fundo estará sempre disposto a rever as suas posições se a empresa condenada der provas de responsabilidade social. Isso já aconteceu no passado, com a empresa de exploração petrolífera Kerr McGee, expulsa e readmitida no fundo.
Actualmente o Fundo de Pensões faz 50 por cento dos seus investimentos na Europa, 35 por cento nas Américas e 15 por cento na Ásia e Oceânia.
Kristin Halvorsen, 46 anos, casada, dois filhos, está no Governo em representação do pequeno Partido da Esquerda Socialista, em coligação com o Labour e o Partido do Centro. É a primeira vez que o partido está no poder e é a primeira vez que uma mulher ocupa a pasta das Finanças.
As ideias políticas de Halvorsen tornam a sua posição de "supercapitalista global" particularmente paradoxal aos olhos dos americanos - esta mulher é não só "socialista", como "da esquerda socialista". A ministra, porém, não parece sentir o paradoxo de forma mais viva do que a generalidade dos noruegueses, a quem o enriquecimento súbito suscita sentimentos contraditórios e para quem o conceito de investimento socialmente responsável é algo mais vivo que no resto do mundo.
Poder-se-ia pensar (e havia quem receasse) que a autolimitação no espectro dos investimentos prejudicasse o desempenho do fundo, mas em 2006 o seu rendimento foi de 7,9 por cento, superando as expectativas. A situação económica da Noruega, entretanto, é excelente, com um crescimento de 2,5 por cento, uma inflação de 0,75 por cento e uma taxa de desemprego de 2,5 por cento, a mais baixa dos últimos vinte anos.
Uma tendência crescente
Halvorsen dirige o seu partido desde há dez anos, começou a sua vida profissional como secretária num gabinete de advogados e estudou sociologia da educação e criminologia sem ter obtido qualquer diploma. A sua actividade política não tem sido escassa em detractores: as suas hesitações em aumentar a exploração de petróleo no mar de Barents por razões ambientais e de protecção das pescas valeram-lhe muitas críticas e o mesmo acontece com a actual filosofia de investir apenas nas empresas que não desprezem os direitos humanos, que não promovam a guerra e a exclusão social. Mas uma coisa é certa: a sua exigência neste domínio faz parte de uma tendência crescente, tem uma base social de sustentação que é planetária e que vai muito para além de qualquer fronteira partidária e pode contribuir de forma positiva para mudar a forma como se faz negócios no mundo.
1 comentário:
"Por aqui se prova que não é preciso ser génio das finanças, doutorado em qualquer ciência mais ou menos obscura ou mesmo engenheiro por uma qualquer Universidade Independente. Basta bom senso, rigor, ética e seriedade."
Não, bom senso, rigor, ética e seriedade não bastam! É preciso também não estar na União Europeia como é o caso da Noruega.
Se a Noruega estivesse na União Europeia era pouco provável que conseguisse proceder da forma como procede. Sem contar que, se estivesse na UE, esta já lhe tinha, de certeza, ido aos rendimentos do petróleo ao abrigo de uma qualquer política única...
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