29 fevereiro, 2008

Homenagem a todos os que lutam por uma melhor educação

Venham mais cinco
Duma assentada...
Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar

(Zeca Afonso)



Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
(Manuel Alegre)

23 fevereiro, 2008

Educação p'ra que te quero?

Depois de estar parado (melhor dizendo, paradinho) por via dos múltiplos afazeres retoma-se a actividade. Fica um texto, no meio de imensos que ultimamente têm sido produzidos, de excelente qualidade, a propósito das cavaladas e macacadas feitas pelo trio maravilha da 5 de Outubro. A autoria deste texto é de Paulo Rangel, e merece bem que se divulgue:

1. Parece que a ministra da Educação disse algures que "o sistema educativo está demasiado centrado nos professores". Parece, aliás, que anunciou uma verdadeira "revolução coperniciana", afirmando que, de ora em diante, ele passaria a estar centrado nos alunos, que constituem afinal a sua razão de ser. Trata-se de um dos mais surpreendentes enunciados políticos dos últimos tempos. Só mesmo ultrapassado pela surpresa que causou o aplauso quase unânime da opinião publicada e pública a tal posição de princípio.
Surpresa que resulta da minha convicção de que o sistema educativo tem essencialmente gravitado em torno do aluno ou, para retomar uma fórmula de Ortega, em torno "do aluno e da sua circunstância". Com efeito, basta compulsar o debate educativo travado em Portugal para perceber que a agenda pública foi sempre marcada pelo interesse imediato dos alunos. Fosse na discussão das propinas, fosse na controvérsia sobre a introdução dos exames, fosse na queixa do excesso de "trabalhos de casa", fosse na vitória em toda a linha das modas mais aberrantes das "ciências da educação". Tem havido, é bem verdade, um debate permanente à volta do lugar da escola estatal - muito dinamizado pela Igreja - e houve uma luta mediática em favor da publicação da avaliação das escolas. Mas estes dois tópicos têm natureza institucional, em nada contribuindo para corroborar o juízo de que a educação está focada nos docentes. O único momento em que os professores, ciclicamente, aparecem como o cerne da esfera pública é o da realização do concurso para colocação. Mas aí com a generosa solidariedade da opinião pública, que reconhece os efeitos contraproducentes das regras vigentes.
2. Pôr as coisas nestes termos - quais sejam os de identificar o agente educativo cujos interesses mais intensamente "capturaram" ou "cativaram" as políticas educativas - é, porém, e já de alguma maneira, aderir ao ponto de vista da ministra. E isto mesmo que se discorde dela quanto à individualização do agente - para ela, os professores; para outros, nos quais me incluo, os alunos. Na verdade, tal perspectiva faz reentrar, pela porta larga, a "luta de classes" na escola: de um lado, os alunos e seus pais; do outro, os professores. De um lado, os explorados; do outro, os exploradores. De um lado, a sociedade civil; do outro, uma burocracia dominante. Eis uma perspectiva que, em caso e tempo algum pode aceitar-se, pelo seu carácter redutor, simplista e demagógico.
3. Os dois principais problemas da escola portuguesa são a falta de exigência e a falta de autoridade. A falta de exigência lê-se directamente nos resultados dos alunos e nas estatísticas internacionais. E deve-se, antes do mais, à escassez de mecanismos de avaliação intercalar como são as provas regulares (orais, escritas, práticas) e os exames de âmbito escolar, regional e nacional. Mas deve-se também à impossibilidade ou à imensa dificuldade de fazer reprovar - uso o verbo "reprovar", e não o verbo "reter", intencionalmente - um aluno que não atinge os níveis suficientes. Não vale a pena ter ilusões: a reposição dos níveis de exigência terá de passar por um período, mais ou menos doloroso, de crescimento da taxa de insucesso escolar.
Já a falta de autoridade e disciplina no ambiente escolar tem sido aferida largamente de modo empírico. Não restam, todavia, dúvidas de que ela resulta de um estatuto disciplinar frouxo, de uma prática reiterada de laxismo e da estrutura "democrática" de gestão. O reforço da panóplia de medidas disciplina­res disponíveis e a existência de uma estrutura hierárquica de aplicação são medidas antipáticas que podem, no curto prazo, restaurar a paz nas escolas - a paz indispensável àquela cultura de exigência.
Curiosamente, estes dois itens - exigência e autoridade -, na perspectiva governamental da "tensão" entre agentes educativos, apontam mais para uma escola centrada na figura do professor do que na figura do aluno. A escola não pode abdicar de ser a depositária de uma missão institucional objectiva: a transmissão social e "intergeracional" do saber. Ela não tem, por isso, de se tornar num espaço de felicidade ou realização individual: tem, isso sim, de desempenhar uma função.
4. De algum modo, o Governo, com este seu discurso e com esta sua prática, importou, para o âmbito mais largo da política educativa, a "centralidade" que o aluno já detinha na metodologia pedagógica. O que, para usar um jargão conhecido, significa que o "eduquês" vai ser agora convertido em "politiquês". Eis o que, aliás, está bem patente na última das novidades dadas pela ministra da Educação: a de que vão ser abolidos os "trabalhos de casa". E mais ainda, na sua justificação: a de que os "trabalhos de casa" feitos em casa reproduzem a discriminação social ou "sócio-económica". Julgo que não vale sequer a pena dissertar sobre o tremendo erro que esta medida representa e o que ela implica para a indução ao estudo, a virtude do esforço, a aprendizagem individual e o sentido da responsabilidade ou do dever. Mas, ao menos - agora que se descobriram os inúmeros méritos da avaliação "parental" -, que se reconheça que os "trabalhos de casa" são a ligação mais próxima e imediata dos pais à escola, a ocasião privilegiada para os filhos falarem sobre a vida estudantil e os pais formarem uma opinião sobre o meio escolar. E quanto ao inacreditável argumento social, ele arranca do mais preconceituoso dos preconceitos, esquecendo a mole humana de pais que, sem estudos próprios, se preocupam diariamente com a frequência escolar dos seus filhos.
5. Tudo está, portanto, em ver alunos, pais e professores como actores aos quais cabe, entre direitos vários, a realização de uma função social de primeiro relevo. Com o actual discurso, desapareceu o desígnio funcional e todos os dias esmorece o prestígio dos professores, agora desautorizados pela ministra. Receio bem que, por entre aplausos e encorajamentos, se esteja a acreditar num mito.

03 fevereiro, 2008

Tristeza

Um belo texto de Maria João Teles. Leitura obrigatória para todos.
Tristeza
(...)
Por isso, fiquei muito surpreendida quando, esta manhã, acordei com uma vontade intensa de procurar o endereço do meu blog ( até me esqueço dele!) e desabafar.
Desabafar porque a tristeza que tem tomado conta de mim, nos últimos tempos, já não se contenta em ser verbalizada com alguns colegas de trabalho (poucos!) que, infelizmente, vão partilhando estes sentimentos de desalento e angústia.
Desabafar porque estou a sentir-me inútil, enxovalhada, descartável e uma peça partida de um jogo de xadrez qualquer, jogado por aprendizes dessa arte ancestral e que requer tanto inteligência como habilidade. Ou será que se tratam antes de foliões que, num pub rasca qualquer, vão atirando dardos a um alvo para passarem o tempo?
Desabafar porque, quando me perguntam qual é a minha profissão, eu já não sei se devo responder orgulhosamente "Sou professora!" ou, em vez disso, "Faço parte de uma companhia circense e, conforme o dia, vou sendo a mulher-palhaço, contorcionista, malabarista, domadora de feras...Olhem! Acumulo funções!"
Aproximam-se a passos largos os meus quarenta e três anos. Desde os seis que estou ligada ao ensino. Nunca cheguei a sair da escola. Fui aluna e depois professora. Comecei a leccionar ainda como estudante universitária e esta profissão faz parte de mim como a minha pele. No entanto, hoje sinto-me como uma cobra: com uma urgente necessidade de a mudar e arranjar uma nova.
Pela primeira vez, questiono a sabedoria da escolha que fiz relativamente à minha profissão. Escolha consciente, diga-se em abono da verdade...a culpa foi toda minha, ninguém me obrigou e pessoas avisadas bem me alertaram.
Mas, também existiam outras que pensavam de forma diferente.
Relembro nomes de antigos professores... daqueles que, por si só, já eram uma aula e não precisavam de recorrer a metodologias e estratégias inovadoras (já agora...se alguém souber de alguma que ainda não tenha sido tentada, não seja egoísta e partilhe-a comigo...eu já não consigo inventar mais!).
Recordo como esses professores me incentivaram a seguir esta carreira-"Foste feita para ensinar, miúda! Vai em frente!"- e como um deles, quando o encontrei já bem velhote, comentou com um sorriso "Eu bem sabia! Sempre lá esteve o bichinho!"
Que diriam, todos os meus professores que já partiram, sobre tanto decreto regulamentar que, em vagas sucessivas, vai transformando a nossa Escola e os seus professores num circo de muito má qualidade, cheio de artistas saturados, humilhados, mal pagos e fartos de trabalharem num trapézio sem rede?
Sou regulada por um Ministério que espera que eu seja animadora cultural, psicóloga, socióloga, burocrata, legisladora, boa samaritana, mãe substituta...
Espera-se que tenha doses industriais de paciência e boa vontade, que me permitam aguentar a falta de educação de meninos mal formados, de meninos dos papás, de meninos que estão na escola apenas porque não têm ainda idade para trabalhar (porque bom corpo isso têm!), de meninos que estão na escola a enganar os pais, que até se deixam enganar por conveniência, de meninos que frequentam os Cursos de Educação e Formação e os Profissionais porque acham que é uma forma de fazer turismo com os livros debaixo do braço (desculpem, enganei-me...vou rectificar- "sem os livros debaixo do braço"), de meninos que vêm para a escola para não deixarem que outros meninos, estes últimos sim, com aspirações e provas dadas, possam seguir em frente até serem os homens que os primeiros nem sequer conseguem projectar mentalmente...
Além disso, tenho reuniões: de departamento, de conselho de turma, de equipa pedagógica, de Assembleia de Escola (pois foi...também caí na patetice de aceitar presidir a este órgão...mais uma vez a culpa foi minha, pois pessoas avisadas bem me alertaram!), de grupos ad-hoc, de reuniões para decidir quando faremos mais reuniões...
Tenho legislação para ler. Labirintos de artigos em que o próprio Minotauro marraria vez após vez num ataque de fúria! Um dédalo legislativo, no qual nem Teseu conseguiria encontrar a ponta do fio.
Há papelada para preencher. Pautas dos profissionais, grelhas de observação para cada um dos alunos, registos das actividades de remediação...
Não esquecer a reposição de aulas. As dos alunos que faltam por doença, por namoro, por jogo dos matraquilhos...desde que a justificação do Encarregado de Educação seja aceite, lá tenho eu de arranjar actividades de remediação para quem não quer ser remediado!
Proibi a mim própria adoecer, visto que também tenho de repor essas aulas, mais as das greves, as das visitas de estudo dos alunos nas quais a minha disciplina não participa ( mesmo estando eu a cumprir o meu horário na escola...não faz mal, depois ofereço um bloco ou dois de noventa minutos gratuitamente!), as das minhas ausências em serviço oficial...
A questão é saber quando e como vou repor essas aulas, dado que o meu horário e o dos alunos é incompatível durante os períodos lectivos! Claro que isso não faz mal: dou dias das minhas férias! Afinal, não consta por aí que os professores estão sempre a descansar?
Tenho aulas para preparar. Testes e trabalhos para corrigir.
Devo investir na minha formação. Quando? Como? Onde?
E isto é a ponta de um rolo de lã que, bem aproveitadinho, dava uma camisola e pêras! Ou então uma camisa de onze varas!
Fazendo o ponto da situação, sobra-me pouco tempo para aquilo que gosto realmente: ensinar.
Pouco tempo para aquilo que me dá prazer: fazer circular o conhecimento.
Pouco tempo para conseguir que esse conhecimento ocupe o espaço que, na maioria dos casos, é ocupado por uma crassa ignorância.
Agora, dizem-me que vou ser avaliada ( tudo bem, não tenho nada contra o ser avaliada...talvez assim, com as novas emoções, eu descongele, pois há tanto tempo que estou no frigorífico laboral!), mas parece-me que vou voltar a uma espécie de estágio ainda pior do que aquele que enfrentei há dezassete anos atrás.
Tenho receio que as escolas se transformem num circo ainda maior.
Um circo de palhaços ricos e palhaços pobres.
Um circo de compadrios e vingançazinhas pessoais.
Um circo em que uma meia dúzia de artistas vai andar vestido de lantejoulas e seguido de cãezinhos amestrados, uma outra meia dúzia vai tornar-se perita na arte do contorcionismo, para evitar obstáculos, e a grande maioria da companhia vai ter de engolir fogo para o resto da vida profissional.
Ah! Não posso esquecer que, se tudo correr de feição a este Ministério da Deseducação, até o senhor Zé da padaria vai poder presidir a um órgão de gestão das escolas.
Esta não é a profissão para a qual eu me preparei anos a fio.
Por isso, estou triste.
Estou triste.
E não escrevi sobre tudo a que tinha direito.
E esta tristeza, para que eu a consiga despejar convenientemente, tem de ser escrita, gravada com letras...não me chega falar dela.
Até porque, ultimamente, também já não me apetece falar.

Pensamento a propósito de comentários sobre Sócrates

"Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."

Bertolt Brecht (1898-1956)

02 fevereiro, 2008

Outra vez Sócrates

Vieram novamente a lume mais umas rocambolescas "Estórias" de José Sócrates!
Desta vez não foi a blogosfera a largá-las na praça pública (embora já se suspeitasse) mas um jornal tido por ser de referência - O Público.
A temática e a personagem começam a ser recorrentes. Mas uma coisa já devia ser mais que clara para os políticos - são figuras públicas e como tal estão sujeitos a um escrutínio permanente das suas acções públicas.
Escusam de vir armadas em virgens púdicas que nada disso lhes vale, nem o são.
Escusam de argumentar e contraargumentar que são ataques pessoais pois foram as suas ricas pessoas que deram o flanco e azo a tais ataques.
Escusam de bramir contra o(s) jorna(is)l imputando-lhe epítetos de "jornalismo de sarjeta" que jornalismo de investigação é aquele que é preciso.
Escusam de se armar em moralistas e ofendidos que moral não têm nenhuma e ofendidos somos todos nós com os actos, vilezas e cavilezas que sistematicamente cometem em prejuízo de todos nós!
A mentira instalou-se no seio da política. Parece-me ser bem grave que um político minta. A demonstração das tropelias cometidas na sua vida pública é um acto de civismo. É da mais salutar honestidade intelectual combater a mentira. Mentira que tanto pode ser dita e apregoada como a vivida.
E no caso de Sócrates as razões são mais que muitas!
Só para recordar, as promessas eleitorais incumpridas..., um diploma obtido de forma esquisita numa universidade não menos esquisita...., assinaturas de favor em processos de obra...., recebimentos indevidos....., já começa a ser muita coisa....
Por muito menos já cairam governos e ministros por essa Europa fora...
Só cá é que não....
Não há moral nem ética na política. Dizia há dias José Sócrates na Assembleia da República, dirigindo-se a Pedro Santana Lopes: "O senhor não tem moral para..." (citação livre)! Será que ele já se viu ao espelho???

Que moral tem ele para dar lições da dita a outrém?
Nenhuma, zero, nada...

Acho incrível que neste país ainda haja gente que defende estes indivíduos... consideram que, coitadinhos, não merecem ser investigados, expostas na praça pública situações pouco claras que eles próprios deram origem, etc...
Pobres desses... cospem-lhes em cima e ainda aplaudem... e pedem bis se for caso disso. São pobres de espírito, ignorantes e ridículos (a não ser que também comam da mesma gamela, pois aí defendem o tacho).
É um povo triste este que amoxa e tudo aceita. Fazem dele gato sapato. Riem-se nas trombas. Fazem o que querem e lhes apetece pois sabem que do povo lá virá o discurso do "coitadinho que lhe querem tanto mal". É por exemplos como esses de Fátimas Felgueiras, Isaltinos, Valentins que este país miserabilista jamais poderá ir para a frente.