31 março, 2008

A agenda oculta da educação (parte III)

Mas a construção não está ainda concluída. O ministério da Educação ainda tem muita pedra para partir até chegar ao destino. Daí que tenha urgência em proceder a inúmeras mudanças. É que “há outras gentes a obrigarem a tal ser­viço”. Vamos então por partes e um pouco sem respeitar a ordem cronológica das coisas, para que melhor se compreenda o caminho da carruagem.
Uma das intervenções do ME e deste governo para o fim último da agenda foi criar uma empresa – Empresa Parques Escolar (EPE) – (Decreto-Lei, nº41/2007 de 21 de Fevereiro). Para além de um vasto orçamento, património, autonomia financeira e administrativa foi-lhe passada a posse/encargo e tarefa de modernizar até 2015 o parque escolar de cento e muitas escolas secundá­rias (antigos liceus e escolas em zonas nobres do meio urbano). A empresa tem o poder de "deliberar sobre a aquisição, alienação ou oneração [aluguer] do seu património autónomo". Bom faz lembrar um pouco um processo seme­lhante que se passou com a municipalização (desclassificação) de estradas – melhoria das mesmas antes de as entregar aos municípios, ou mais recente­mente com a reorganização e saneamento financeiro das Estradas de Portugal (antiga JAE) para a já decidida privatização das ditas estradas. Quando chegar a altura e o porco estiver gordinho iremos certamente ver estas escolas à venda. (Repare-se que a EPE só intervém a nível das secundárias).
A preparação do espaço/património edificado ficará assim resolvida no que concerne ao secundário (eventualmente com o 3º ciclo agarrado em alguns casos para garantir clientela/rentabilidade). Quanto ao básico o destino tam­bém já foi traçado – a municipalização de todas as escolas para ficarem sob a alçada (teórica) das Câmaras Municipais. A chamada “devolução à comuni­dade” – como se pudesse devolver uma coisa que nunca foi de quem a vai receber (enfim, contas de outro rosário). E está já previsto para Setembro de 2008. Alguns municípios ainda lançaram a escada para que os professores ficassem também sob a sua alçada (Tavira, por exemplo) … mas desta vez, pelo menos e por enquanto, o ME teve juízo. Quanto tempo mais? Não se sabe, mas Setembro de 2009 ou 2010 também já não estão muito longe.
As câmaras municipais há muito que andam desejosas que tal aconteça. O motivo mais óbvio será a injecção de capital proveniente do ministério que será para aplicar nas escolas. Mas… é bem possível que outras razões existam…há escolas muito bem colocadas em território urbano…e quem sabe se não será possível embaratecer os custos recrutando outros professores? Ou contratuali­zar com empresas de formação? Ou ainda um pouco como aquilo que aconte­ceu com o recrutamento para as actividades de enriquecimento curricular do 1º ciclo! Tudo será possível. E bem sabemos como o poder autárquico é permeá­vel a influências…
Um outro aspecto que convém não descurar e que diz simultaneamente res­peito ao património edificado e ao controle de despesas/custos – o fecho de escolas. Este fecho, que maior celeuma e contestação poderia provocar (e levantou mas o controle de danos foi eficiente), iniciou-se rapidamente logo no princípio da legislatura, aproveitando um certo estado de graça do governo. Também dele emanam implicações economicistas: fecham-se escolas e luga­res de professores, reduzem-se as despesas com a sua manutenção e aliviam-se as câmaras municipais de alguns encargos. Em termos de futuro fica-se com um património mais concentrado, mais apetitoso para os privados, porque menos atomizado. A construção dos centros escolares para compensar o fecho das escolas segue o mesmo raciocínio – favorecer uma privatização ou semi-privatização.
Se a parte edificada fica assim resolvida há ainda outras tarefas a levar a cabo de forma a tornar atraente à cobiça capitalista aquele que se afigura como sendo um dos grandes negócios do século XXI: a privatização do ensino.
Uma das “grandes pedras angulares” do projecto, e que tem passado desper­cebida (ou pelo menos relegada para 2º plano) é a questão da gestão das escolas! O projecto de lei prevê coisas bastante gravosas para as escolas, para a democracia dentro das mesmas e escancara as portas à gestão privada. De que forma?
Com o fim obrigatório do órgão colegial de direcção (conselho executivo) e a sua eleição dentro da própria escola O que o ministério quer decretar é uma alteração mais profunda do que aquilo que parece fazer crer. A nova gestão não só terá na figura do director um órgão unipessoal como passará a ser escolhido por indivíduos exteriores à escola (o novo conselho geral – que substitui a assembleia de escola e é composto por mais de 60% de membros que não estão nem fazem parte da escola). É como se fosse uma assembleia geral de accionistas… Nela estão os interesses dos pais, da municipalidade, dos interesses económicos, os grupos culturais e ainda, em minoria professo­res, estudantes (eventualmente) e funcionários da escola.
Porquê esta pressa na alteração? Ah! Sim, as lideranças fortes!!! Mas, se a avaliação feita ao modelo vigente pelo 115-A/98 confirmou que 87% dos exe­cutivos demonstravam boa ou muito boa capacidade de liderança, porquê isto agora?
Vários motivos. Novamente uns mais claros que outros… O director, ao ser escolhido da forma como acima se referiu, vai executar as políticas que forem determinadas pela mesma assembleia-geral, supervisionada à distância pelo ministério. Mas o ministério não abdica de o controlar… daí a possibilidade de ser a qualquer momento demitido. O interessante está, no entanto, na possibi­lidade de ser alguém de fora da escola a assumir a chefia de uma escola; alguém que venha de outra escola pública…, ou de uma escola privada ou cooperativa…, ou mesmo de fora de tudo isto, bastando que seja profissionali­zado, tenha as habilitações exigidas pelo estatuto e tenha 5 anos de exercício de funções…. Até pode, no momento nem estar a leccionar…. Ora, isto não impede que uma empresa contrate um indivíduo nestas condições e avance… Com as escolas sob a alçada dos municípios abrangendo até ao 9º ano, torna-se um universo atraente para alguém investir neste sector. Só a título de curio­sidade há um município que já contratou com um consórcio de empresas a construção de 4 parques de estacionamento (a serem geridos por esse consór­cio), a construção de 13 novas escolas e a renovação de outras 13. O total do investimento é de 117 milhões de euros (aproximadamente), dos quais são 87 para os estacionamentos e os restantes para o parque escolar. Não acredito que o consórcio fique só com as receitas do estacionamento – demoraria décadas a recuperar o investimento; ainda para mais sabendo que a Câmara não vai investir 1 cêntimo que seja! (pelo menos assim o dizem).
Voltando à figura do director e à (forte) possibilidade de este ser exterior à escola torna-se mais evidente que a função dele será sobretudo administrativa, fazendo prevalecer os aspectos burocráticos sobre os pedagógicos. E isto vai tornar-se complicado. Esse mesmo director pode transformar a escola numa empresa com a nomeação de capatazes (coordenadores de departamento) a seu belo prazer. E o Conselho Pedagógico fica também por ele, obviamente controlado. Os professores serão meros operários.
Com a atribuição de autonomia financeira (progressiva ou não), o financia­mento dependente dos resultados dos alunos, elaborado “por cabeça” (alunos inscritos), com os interesses de autarquias à mistura e eventuais empresas também envolvidas vai surgir uma situação fazer uma grande omeleta com poucos ovos… E, mais uma vez, isso tem custos….O orçamento pode não dar para tudo…
Ainda mais; o director terá capacidade para distribuir o serviço lectivo e para renovar ou fazer cessar contratos! E aqui está um outro ponto que escapa a muita gente, fiada que está na ideia de serem quadro de escola ou de nomea­ção definitiva! Este estatuto/situação acabou de vez com a publicação da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro (Estabelece os regimes de vínculos, de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas). O artigo 88º, no nº 4 diz claramente o seguinte: “Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente (…) transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.” Isto significa tão só que o contrato pode acabar já amanhã! É quase certo que o corpo especial da função pública que são os professores vão ser integrados na carreira de técnico superior (aliás, a definição dela encaixa perfeitamente na situação de professores, médicos, enfermeiros… - veja-se a referida legislação). Outro aspecto legislativo impor­tante é que se irá aplicar aos trabalhadores da função pública a legislação geral do trabalho, com todas as implicações que tal acarretará.
Assim, e para concluir esta parte, temos uma intervenção no sentido da privati­zação a dois níveis – do parque escolar e do edifício jurídico subjacente à escola. Da parte material creio ter ficado claro com o que se expões; da parte jurídica verifica-se uma aproximação à gestão privada (a futura legislação sobre gestão escolar, a desvinculação de toda a gente da função pública – despedimentos mais facilitados e aplicação da lei da mobilidade). Em termos legais ainda haverá alguma coisa a fazer mas tudo aponta para que antes do final desta legislatura o quadro esteja plenamente desenhado.
(continua – a seguir: o destino final)

30 março, 2008

A agenda oculta da educação (parte II)

Na educação o panorama apresenta as mesmas tonalidades. A orientação governativa neste sector tem caminhado num único sentido – redução de custos tendo em vista a privatização (ou a concessão contratualizada à iniciativa privada).
De momento é mais notória a vertente da redução de custos e certamente não tardarão a surgir indícios muito mais claros da deriva privatizadora (embora já existam, embora um pouco camuflados).
Comecemos então pela redução de custos. Sem seguir a ordem cronológica que parece pouco importante, temos a primeira marca – o novo estatuto da carreira docente. A divisão da carreira em duas (titulares e não titulares) com limitação de acesso à primeira categoria, revela a preocupação de impedir a progressão destes profissionais. Acresce que a realização do 1º concurso (?) para titulares “tapou” todas ou quase todas as vagas para esta categoria para os próximos 20 anos!!! Isto é, na realidade a carreira de cerca de 100 000 (!!!) professores poderá terminar na melhor das hipóteses no equivalente ao antigo 7º escalão. Ou seja, em termos financeiros líquidos, uma diferença de 800 euros (aproximadamente). Se isto não visar redução de custos não sei o que pretenderá então!
Mas há mais no estatuto. A tão apregoada avaliação que supostamente premiaria o mérito e a competência, na realidade revela-se mais punitiva que favorecedora de boas práticas (o diploma da avaliação é um belíssimo exemplo de más práticas – um verdadeiro labirinto, ou rede de metropolitano, como já lhe chamaram). A subtileza da atribuição de quotas para excelentes e muito bons (que possibilitariam, teoricamente, uma progressão mais rápida na carreira) revelam antes uma vontade frenética de travar essa mesma progressão (mesmo nos escalões mais baixos da carreira). Revelam a vontade de manter a classe profissional com níveis remuneratórios baixos.
A introdução da prova de acesso à profissão (com todas aquelas limitações) revelam que não há grande vontade de introduzir novos profissionais na carreira. O porquê ver-se-á adiante. Poder-se-ia ainda falar de inúmeras subtilezas do novo estatuto que apontam precisamente para uma redução de custos – diminuição das reduções da componente lectiva, diminuição do período nocturno, passagem para a componente não lectiva de horas que eram consideradas lectivas, etc….
Isto no que diz respeito aos professores de forma directa e objectiva, porque há outras medidas que afectam a classe, os alunos e os próprios pais dos alunos. Apontem-se apenas dois exemplos – o verdadeiro dobre de finados pelo ensino especializado com a integração de muitos dos alunos com deficiência no regime normal e o fim do ensino artístico sob a forma de regime supletivo. Com as teorias macacas de uma (pseudo) integração, de (pseudo) diminuição do insucesso e (pseudo) democratização destes tipos de ensino, acaba-se com mais algumas áreas que davam despesa ao Ministério. Alguém vai ganhar com isto, e não serão certamente os alunos, os professores ou mesmo os pais dos alunos…
Mesmo o tão badalado estatuto do aluno (nas suas mais variadas versões – da benaventista à valteriana, passando pela justiniana) revelam na mais recente o seu verdadeiro objectivo – impedir a retenção (porque não dizer “chumbo”) dos alunos. Mesmo daqueles que excedem os limites do razoável em faltas! Há que os passar a todos, nem que para tal se tenham de fazer duas, três ou quatro provas… É que as retenções custam dinheiro… O Estado, por força da Constituição, é obrigado a ter os alunos na escola por nove anos! Mas não mais que isso! Atente-se a este pormenor!... Portanto, quanto mais depressa o aluno concluir a escolaridade obrigatória, tanto melhor…O objectivo continua, pois, a girar em torno do mesmo – reduzir custos… Mas há outras pequenas “nuances” para reduzir custos. Umas já correm, outras aparecerão a breve trecho. Deste último grupo refiro apenas a reforma do 2º ciclo do ensino básico, com a introdução do professor “generalista” – aquele que dá todas as disciplinas, a redução/fusão de disciplinas neste ciclo e sua eventual expansão para o 3º ciclo. As que já correm são mais sub-reptícias, não tão evidentes/visíveis, mas que produzem o mesmo efeito final – reduzir os tais custos. Um exemplo delas é o constante ataque à classe, desmoralizando-a, desvalorizando-a à face da opinião pública (a célebre frase – “perdi os professores, ganhei a opinião pública” – vinda de uma dita socióloga que quer fazer reformas é paradigmática), infernizando-lhe a vida com burocracia e mais burocracia, querendo-lhe impor uma avaliação e um estatuto infames e monstruosos, numa palavra fazendo-lhes a vida negra. Há que quebrar a “classe privilegiada” que é a dos professores; nem que para tal se tenha de usar “querra” psicológica. E depois abrem uma porta para a saída – a reforma com 33 anos de serviço e 61 de idade… São, obviamente, os mais velhos e consequentemente os mais caros que irão sair, desmotivados, fartos e cansados do enxovalho psicológico, profissional e social a que foram sujeitos. São também os mais reivindicativos, aqueles que melhor conhecem o sistema e as suas falhas, aqueles que mais se opõem a esta degradação da escola e a esta pseudo-qualidade de ensino que assim são “democraticamente empurrados” para fora do sistema. E os encargos com eles acabam por sair do Ministério da Educação e ir para à Caixa Geral de Aposentações…
(continua)

A agenda oculta da educação (parte I)

O texto será um pouco longo, mas creio que valerá a pena...

Faz algum tempo que andava com vontade de verter para o papel uma leitura fora do convencional sobre o que se passa na educação. Falta de tempo e a agitação do dia-a-dia deixavam pouco espaço de manobra. Mas, com um pouco de paciência lá alinhei umas quantas ideias sobre esta temática.
A educação no nosso país vive dias conturbados. Mesmo muito agitados. A razão de ser, numa primeira abordagem, leva-nos a pensar que tudo se relaciona com a autêntica “diarreia” legislativa que se apoderou da 5 de Outubro. “Caem” leis, decretos, despachos, portarias, circulares e mesmo papéis anónimos nas escolas. Isto para não falar em “powerpoints” e “roadshows” tão na berra. A confusão, as contradições, as hesitações e as incoerências campeiam. Os tribunais “malham” nas decisões/interpretações legislativas do Ministério que prossegue, inexorável, a sua marcha autista em direcção àquilo que dizem ser uma escola de qualidade, de rigor, de excelência. No entanto, a ideia que fica é que tudo não passa de uma salsada monumental. Direi mais, um embuste com todas as letras.
O governo por intermédio do inefável secretário de Estado João Figueiredo já deixou, em inícios de 2007, o recado – o estado deve caminhar para um Estado mínimo, limitado apenas a funções de soberania, segurança e representatividade. Resumindo, um estado tipicamente neoliberal. Como lá chegar parece um pouco complicado mas, pedra a pedra, vão deitando abaixo o edifício do estado social em que até aqui fomos vivendo.
Começou-se pelo código de trabalho (a esticar-se todo para a “flexisegurança” – mais “flexi” que segurança e em constantes alterações sempre favoráveis ao patronato), a reforma da segurança social (o eterno fantasma da falência do sistema, mas não se percebe porque motivo bancos e seguradoras desejam pegar nos fundos de pensões), a reforma da saúde (fecho e mais fecho e ainda mais fecho de centros de saúde, urgências, maternidades, etc…), a reforma da justiça (fecho de serviços, reorganização da rede, …), a reforma da administração pública (a obsessão pela avaliação, SIADAP, e outros que adiante se referirão), a reforma da educação (aqui o ponto que particularmente interessa).
O importante, ressalve-se, é reter que nenhuma destas reformas está isolada. Todas fazem parte de um grande pacote com um fim único e objectivo determinado – desmantelar o estado social, implantar o estado mínimo, privatizar tudo quanto seja serviço do estado passível de gerar mais valias….

29 março, 2008

Ainda há gente que pensa por si...

Fernando Sobral publica no Jornal de Negócios um texto (do qual aqui se transcreve parte) que bem pode pedir meças a muitos comentadores de meia tigela da praça. Não creio que FS esteja por dentro do sistema educativo (refiro-me ao ensino básico e secundário) e penso mesmo que estará mais ligado ao mundo dos negócios.

Mas esse facto não o impediu de observar com lucidez quanto baste a realidade existente nesse mesmo sistema educativo. Creio que qualquer pessoa medianamente inteligente, sem parti pris, minimamente atenta à realidade não só escolar mas de toda a sociedade e em toda a parte dela, com a honestidade intelectual que se pode e deve pedir numa análise de um problema grave como o do ensino e da realidade dasa escoals em Portugal, chegava às conclusões que FS chegou. E se estivesse mesmo por dentro da questão pintaria o panorama com cores ainda mais negras.

Só gente com dívidas na consciência pode dizer os disparates que por aí pululam, arrogando-se de grande sapiência, valendo-se do seu estatuto de spin doctors e da facilidade de acesso aos meios de comunicação social, quantos deles enfeudados a práticas pouco claras.

Ao Fernando Sobral (que se bem me recordo já teve há uns anitos posições bem diversas das actuais) resta-me dar-lhe os meus parabéns! Ter-se-á conseguido libertar do discurso onírico vigente e regressou à terra onde não corre leite e mel.



A política da encenação
A discussão sobre a educação, especialmente depois de se ter transplantado para o YouTube, tornou-se uma espécie de relação esquizofrénica entre um pelotão de fuzilamento e o fuzilado. A questão aqui é que, a qualquer momento, o fuzilado pode ter uma face diferente: os alunos, os professores, os pais ou o Ministério da Educação. Há uma sensação: a escola tornou-se um território minado, onde todos se arriscam a desaparecer em combate. Uns porque deixaram de ter autoridade, outros porque vivem neste imenso mundo de consumo obrigatório em que tudo é fácil: até passar de ano, sem se saber ler nem escrever, para garantir as estatísticas positivas que se mostram à União Europeia. Já quase tudo se disse sobre esta educação nacional, que o “sistema”, entrincheirado há dezenas de anos no Ministério da Educação, e com a conivência de todos, foi criando para belo prazer das “Novas Oportunidades”. No fundo, com tantas “aulas de substituição”, avaliações, “áreas de projecto”, aulas de “formação cívica” e outras palermices, foi-se criando uma imensa massa de idiotas úteis. Há muitas excepções, mas não passam disso. Olha-se para a escola e que é que se ouve? Queixas de todos os lados. Mas sobretudo nota-se uma coisa crucial: estamos a pseudo-formar gerações de jovens que acham que tudo é fácil, e que a vida do futuro vai ser uma mistura entre um Sms, uma gravação feita por um telemóvel, e uns insultos aos professores. O que parece que ninguém quer discutir é o mais óbvio: como é que estas gerações vão chegar às empresas (à vida real) e lidar com a hierarquia, as regras, a sensação de que não fazem o que querem? Não é uma questão de valores ou falta deles. É óbvio que as gerações mais antigas partilhavam a sua história comum, e que estas mais novas partilham valores de tribo. O “sistema” fez do facilitismo a sua Cartilha Maternal. E ao denegrir sistematicamente os professores conseguiu fazer com o que restava da autoridade destes perdesse o simbolismo. E os jovens de hoje movimentam-se por símbolos. As sucessivas políticas do Ministério da Educação têm tido apenas um objectivo: tornar as escolas locais ingovernáveis. Já o conseguiram.

24 março, 2008

Telemóveis e os novos grunhos

O telemóvel está na moda. Quando, como dizia um grunho qualquer (ou grunha, vai dar ao mesmo), "o telemóvel é a extensão do corpo" fica-se sujeito ao desiderato que Eurico de Barros reporta.

O texto que se segue merece uma reflexão (individual e colectiva) sobre o que somos, que sociedade queremos, que estilo de vida defendemos. Não adianta afirmarmo-nos ecologistas e depois praticarmos precisamente a sua antítese. Não adianta dizermos que gostamos muito da Natureza, dos golfinhos, das flores, dos animais e depois sermos completamente surdos e alienados de tudo quanto nos rodeia. Assim, não há consciência que nos valha. Use-se a tecnologia claro, já que foi feita para nos facilitar a vida, mas não nos deixemos escravizar por ela a ponto de ignorarmos o mundo real que nos cerca e/ou outros que nos acompanham. Nunca o Homem teve tantos meios ao dispor para comunicar e, quiçá, nunca esteve tão isolado como agora.

A derrota do silêncio

eurico de barros



Lisboa, Teatro São Luiz, noite de quinta-feira. Um telemóvel toca logo no início do recital do pianista português Artur Pizarro e é sonoramente atendido. O músico pára a execução da peça e retoma-a logo a seguir. Mais adiante, torna a ouvir-se outro toque, mas desta vez Pizarro não pára. A seguir ao intervalo, soa outro telemóvel, longamente, porque o proprietário nem se digna desligá-lo. Artur Pizarro deixa de tocar e diz à criatura: "Atenda, que eu paro. Mas saia". E pega nas partituras, levanta-se e vai-se embora. Há burburinho na sala e é anunciado que o pianista não regressará. O dono do telemóvel que estragou a noite a Pizarro e ao público do São Luiz dirige-se à bilheteira para exigir o dinheiro de volta, porque o recital foi interrompido.


O telemóvel já substituiu a tosse cava e o barulhinho do papel de rebuçado como grande elemento perturbador nas salas de espectáculos. Mas o fenómeno não se deve apenas a um punhado de esquecidos crónicos que nunca desligam os telemóveis no teatro, no cinema, na ópera ou no recital, nem à falta de educação e consideração de meia dúzia de grosseiros, os mesmos que antes de haver telemóveis faziam barulho e falavam alto nos espectáculos. Ele é a manifestação de um mal-estar social muito maior. O adolescente parvinho, o novo-rico cultural, o grunho das novas tecnologias, a cinquentona impertinente que se vão sentar numa plateia ou num auditório sem silenciar o telemóvel e o atendem ostensivamente enquanto os actores interpretam, os músicos tocam, o filme corre ou os cantores vocalizam, já não sabem ser espectadores.

Perderam a noção do que é assistir a um espectáculo partilhado colectivamente.

A sociedade em que nasceram e foram "educados" é uma sociedade que tem horror ao silêncio e só está bem no meio do barulho, incomode a quem incomodar.

A cultura em que vivem é a da comunicação redundante, da palavra vazia, do falar para dizer nada mas até se ficar sem voz, alimentada pelas empresas de telecomunicações e pelas campanhas de publicidade. No nosso mundo há educação a menos e som a mais.

Admiram-se por isso que toquem cada vez mais telemóveis e sejam atendidos nas salas de espectáculos?

Habituem-se!

Ganda Mário, ...

Mário Crespo no JN dá-lhe, ... e com força.
Finalmente, após o assentar da poeira em torno do malfadado vídeo do Carolina, há alguém com lucidez suficiente para por os pontos nos "iiss". Já estou cansado de ouvir os expexxialistas do comportamento, os das ciências ocultas, os pxiicólogos, os políticos, os papás e mamãs, da treta do costume, aos quais se junta o presidente do "conselho nacional de escolas(?)", e outras aves raras.
Ou seja, os palradores do costume que muito falam, nada dizem e nada fazem. Tudo ficará na mesma se não piorar. Ou seja, o costume.
Mário Crespo em poucas linhas clarifica a coisa de forma simples e elementar, sem ser simplista ou básico. E não se arma em expexiialista da educação.


"Dá-me o telemóvel JÁ!"
Mário Crespo, Jornalista

Tira os adjectivos e ficas com os factos.
Atticus Finch advogado no Alabama, in Não matem a cotovia - Harper Lee.

Vi há semanas uma excelente encenação do Cândido de Voltaire, no Maria Matos, em Lisboa. Uma das personagens, o filósofo germânico dr. Pangloss, que encontrava sempre um aspecto redentor em praticamente tudo (já que este era o melhor dos mundos possível), ao desembarcar na frente ribeirinha de Lisboa no dia do terramoto de 1755, vê tudo destruído e no meio das ruínas a gentalha a pilhar num saque sanguinário. Questionado por Cândido sobre o que era aquilo, responde "... Isto é o fim do Mundo".
Pivot
Boa noite, uma professora foi agredida na escola Carolina Michaëlis, no Porto. A cena foi registada em vídeo por um telemóvel e divulgada no YouTube.
(Segue Vídeo 1' 10")
Se o incurável optimista Pangloss tivesse visto o vídeo da aula de Francês no 9.º C, só podia ter comentado que era o fim do Mundo. E foi. O vídeo, a boçalidade dos comentários de quem filmou, os ataques selváticos de quem atacou, a birra criminosa da delinquente a quem tiraram o telemóvel, a indiferença da maioria da turma pelo horror do que se estava a passar mostram o malogro do sistema administrado pelo Ministério da Educação.
"Ha! ha! ha...ha...ha"
"DÁ-ME O TELEMÓVEL!"
Há um caso exemplar no historial governativo socialista onde Maria de Lurdes Rodrigues podia ir buscar inspiração. Em Março de 2001, depois da queda da ponte de Entre-os-Rios, o ministro da tutela anunciou que se demitiria com efeitos imediatos. Foi a maneira consciente de mostrar responsabilidade.
"Sai da frente... sai da frente!"
Por favor, façam-me a justiça de não considerar sequer que estou a fazer comparações. A enorme crise que atravessa o sistema educativo em Portugal e a queda de uma ponte cheia de pessoas em cima, com as consequentes fatalidades, são situações de gravidade específica que não toleram comparações. O que digo é que a decisão de Jorge Coelho de se retirar de funções porque a ponte de Entre-os-Rios era responsabilidade de vários departamentos do seu ministério, é o modelo de comportamento governativo.
"Ó Rui, ó Rui, ó Ruizinho!"
Maria de Lurdes Rodrigues tem um tremendo desastre entre mãos e contribuiu directamente para ele com as suas políticas de desrespeito de toda a classe docente e com o incompreensível arrazoado de privilégios estatutários garantísticos aos discentes, que estão a condenar toda uma geração e a comprometer o futuro de todo um país.
"Ó gorda, ó p (...), sai daí!"
Depois de todos termos, finalmente, visto aquilo que realmente se passa nas nossas escolas, nada pode ficar na mesma. A DREN, que já se devia ter ido embora no escândalo do professor Charrua, tem de sair porque aquela gente obviamente não sabe o que está a fazer. O Conselho Directivo da Carolina Michaëlis tem de ser imediatamente substituído por gente capaz de proibir telemóveis e de impor (não tenham medo da palavra), impor, um ambiente de estudo na escola pública. Reparem que durante o desacato e o linchamento da professora nenhum dos alunos abre a porta da sala de aulas e pede ajuda.
"Sai da frente... sai da frente!"
Isso atesta que já não ocorre aos próprios alunos que haja na escola alguém capaz de impor disciplina e restabelecer a ordem."Olha a velha vai cair!"Por isto a Turma do 9.ºC tem de acabar! Por uma questão de exemplo, os alunos têm de ser dispersos por outras turmas e o 9.º C deve ficar com a sala fechada o resto do ano, numa admoestação clara de que este género de comportamento chegou ao fim. Maria de Lurdes Rodrigues não pode ficar à espera de receber outra vez o apoio do primeiro-ministro. Depois disto, é seu dever sair do cargo. E não é, como diz constantemente, a mais fácil das soluções. É a medida necessária para que haja soluções. A saída da ministra é, viu-se agora, uma questão de segurança nacional. É a mensagem necessária para a comunidade escolar, alunos e professores, entenderem que o relaxe, a desordem e o experimentalismo desenfreado chegaram ao fim. Que não há protecção política que os salve já da incompetência do Ministério, da DREN e de tudo o mais que nestes três anos nos trouxe à vergonhosa situação que o vídeo do YouTube mostrou ao país e ao Mundo. Uma questão mais os sindicatos viram as imagens de um crime a ser cometido em público contra uma professora. Façam o que devem. Façam as devidas queixas-crime contra a aluna agressora e contra quem filmou e usou abusiva e ilegalmente da imagem da professora a ser martirizada. O crime foi visto por todos. O Ministério Público tem competência para mover o adequado processo contra esses alunos. Cumpram o vosso dever sem tibiezas palavrosas. Já não se pode perder mais tempo com disparates.

14 março, 2008

Luta contra a corrupção e branqueamento de capitais




Só podem andar a gozar com o pagode!!!
Duas notícias - do Público a 1ª do JN a 2ª - à volta de uma temática curiosa.
A 1ª:

MINISTÉRO PÚBLICO DESCOBRIU CASO DE CORRUPÇÃO NOS CEMITÉRIOS
«Onze coveiros dos cemitérios de Benfica e do Alto de São João, em Lisboa, foram acusados de corrupção passiva por violação dos seus deveres funcionais a troco de uma contrapartida económica de valor não apurado, mas "nunca inferior a dez euros", frisa a acusação deduzida por um magistrado do Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, que lhes imputa aquele ilícito punível com um a oito anos de prisão.»

A 2ª:

CASINOS ESCAPAM À LEI DO BRANQUEAMENTO DO DINHEIRO
«Um diploma que está em apreciação na Assembleia da República (AR) e que impõe novas regras aos casinos na identificação de clientes, no âmbito da repressão do branqueamento de capitais, tem um efeito nulo no combate à lavagem de dinheiro naqueles espaços. A medida foi conhecida em Novembro, após aprovação pelo Conselho de Ministros, mas a proposta que seguiu para a Assembleia da República acabou por não ser tão exigente como anunciado. Nas salas de jogo com mais movimento, dentro dos casinos, vai continuar a ser possível escapar ao controlo.»


Cada um que tire as respectivas conclusões.

12 março, 2008

A lição espanhola

Um texto curtinho mas muito lúcido de João Paulo Guerra, do Diário Económico. Pela sua clareza merece ser lido. Pela sua actualidade merece ser discutido. Pelo exemplo apontado merece ser seguido. Maiorias absolutas... jamais... como diria o outro!

Zapatero
O cenário político das democracias formais do Ocidente está relativamente formatado: há o partido cinzento e o partido pardo e os eleitores tiram à sorte em função de promessas e demagogia. Em Espanha, porém, há alguma diferença.
João Paulo Guerra

Zapatero governou a Espanha com maioria relativa nos últimos quatro anos e ao fim da legislatura os eleitores consideraram que governou bem. Por não ter maioria absoluta não se coibiu de avançar com medidas fracturantes. E com uma forte oposição de direita seguiu uma política social-democrata, sensível aos problemas sociais como já não se vê na quase totalidade dos partidos socialistas desta metade do mundo. O chamado socialismo, em regra, converteu-se ao neoliberalismo, enjeita a origem da sua designação, que utiliza apenas para enganar incautos podendo mesmo vir a ser acusado de publicidade enganosa ao apresentar-se como socialista simplesmente para arrebanhar votos.
Zapatero tem sido uma excepção. O primeiro-ministro de Espanha, para além de sensível às questões sociais, é um homem de diálogo. Fala com as oposições políticas, com os parceiros sociais e decide por consensos e tendo em conta as críticas. Um caso exemplar. Na hora da vitória, Zapatero prometeu prosseguir as políticas de sucesso do seu governo e corrigir os erros. Ora isto de admitir que se errou é mais uma lição para todos quantos se apresentam como infalíveis e carregados de certezas que se sobrepõem à evidência. Por fim, Zapatero tem sido um governante independente no contexto internacional, que poupou a Espanha à vergonha da vassalagem e à desonra do beija-mão.
Ou seja: a democracia social, a abertura, o diálogo e a independência não estão proíbidos nem sequer fora de moda.

04 março, 2008

Esta vem das bandas da gestão

Do Diário Económico pescou-se esta opinião. Não deixa de ser curiosa e de alguma forma faz-me lembrar a questão da Finlândia, onde não é preciso nada desta treta para avaliar os professores (que não são avaliados) - na dúvida veja-se
(http://www.eurydice.org/ressources/eurydice/eurybase/pdf/0_integral/FI_EN.pdf), particularmente página 118:
8.2.9. Evaluation of Teachers
Neither teachers nor their teaching are evaluated in Finland as such. However, the principal is always the pedagogical leader of his/her educational institution, thus being responsible for both instruction and teaching staff. Most schools have a quality system, which includes annual development discussions.
These discussions are organised to evaluate the achievement of the objectives set for the previous year and the teaching staff’s objectives or needs for the following year.

Avaliação chumba
Em vez de tentar ensinar as escolas a avaliar professores, o Ministério da Educação devia esforçar-se por aprender a avaliar as escolas.
Miguel Castro Coelho

O novo regime de avaliação de professores não passa nos mais elementares testes de aptidão. Não tenho a mais pequena dúvida quanto à benevolência das intenções dos autores da iniciativa. E aplaudo com entusiasmo a vontade política para gerar mudança. No entanto, nos termos em que foi desenhado, este regime de avaliação apenas exprime uma tentativa de micro-gestão a partir do Terreiro do Paço talhada a falhar. Na prática, limita-se a acrescentar uma nova camada de requisitos burocráticos na gestão das escolas. Pelo caminho, comprou uma guerra desnecessária com os professores.Sejamos claros quanto à importância do tema em questão. Dizem os estudos da economia da Educação que a “produção” de alunos de qualidade depende, em primeiro lugar, do nível socio-económico do aluno, e em segundo lugar, da qualidade dos professores. Um estudo recente da Universidade de Bristol sugere que a qualidade dos professores conta cerca de um terço da qualidade do aluno (incluídos os tais factores socio-económicos) para a “produção” de alunos de qualidade – uma estimativa que está, de resto, em linha com os resultados de outros estudos internacionais. Se se tiver em conta, contudo, que a qualidade de cada professor afecta vinte ou trinta alunos por cada turma, fica-se com uma ideia da importância desta variável para a qualidade global do sistema de ensino. Perante isto, é conhecido o modelo do Ministério da Educação para estimular docência de qualidade: forçar sobre cada escola um regime de avaliação de professores uniforme, desenhado ao pormenor a partir do centro. Por outras palavras, um exercício de micro-gestão ao pior estilo ex-URSS; o exemplo acabado de centralização descontextualizada; e a prova de que está vivo o tradicional espírito legalista português, segundo o qual no mundo tudo se transforma por lei ou decreto-lei (pena é que, tal como na física, também por esta via nada se perca e nada se crie…). O que, de facto, devia ter sido feito: (I) intervir a montante no recrutamento de professores (reservar o acesso a cursos específicos de formação de professores a candidatos com curriculum universitário de topo, capacidade de relacionamento interpessoal, comunicação, vontade de aprender e ensinar, excepcionais); (II) descentralizar a gestão do corpo docente para o nível da escola, e avaliar a ‘performance’ das escolas (e não dos professores) a partir do centro (i.e. do Ministério da Educação). Por outras palavras, transferir a capacidade de gerir a qualidade do corpo docente para gestores escolares profissionais (professores ou não), recrutados e responsabilizados pelos resultados do processo de avaliação das escolas a partir do centro.Para conseguir fazer uma avaliação objectiva do desempenho de cada escola por comparação com escolas congéneres, o Ministério da Educação tem que se tornar num ‘hub’ de informação sobre todo o sistema. A má notícia é que está muito longe de o ser. Num projecto-piloto que abrangeu 100 escolas (Avaliação Externa das Escolas – Relatório Nacional 2006-2007, publicado a 27/02/2008) a Inspecção-Geral da Educação (um dos braços do Ministério da Educação) não conseguiu sequer reunir informação fiável sobre o contexto socio-económico das escolas… tão só e somente aquele que é, indiscutivelmente, o factor mais importante a ter em conta na avaliação do desempenho das escolas. Pior do que isto, só mesmo o caminho analítico que o relatório adopta: o da prosa oca, com ares pseudo-técnicos, muito similar ao da consultoria privada desinformada.Em vez de tentar ensinar as escolas a avaliar professores, o Ministério da Educação devia esforçar-se por aprender a avaliar as escolas. A esse respeito, o trabalho até agora feito é de nível profundamente medíocre. Sei que há no país especialistas na matéria com créditos firmados ao nível internacional. Trabalho no meio e já perdi a conta ao número de excelentes artigos académicos publicados por portugueses em jornais internacionais de referência. Mais surpreendente é que algumas dessas pessoas trabalham para o próprio Estado (mais concretamente, estão no Banco de Portugal). A peça que falta no ‘puzzle’ é vontade de fazer uso dos melhores recursos do país.

02 março, 2008

Que haja mais pela causa....

Do Vasco Pulido Valente sem mais comentários...

A avaliação dos professores
Vasco Pulido Valente

Como se pode avaliar professores, quando o Estado sistematicamente os "deseducou" durante 30 anos? Como se pode avaliar professores, quando o ethos do "sistema de ensino" foi durante 30 anos conservar e fazer progredir na escola qualquer aluno que lá entrasse? Como se pode avaliar professores, se a ortodoxia pedagógica durante 30 anos lhes tirou pouco a pouco a mais leve sombra de autoridade e prestígio? Como se pode avaliar professores.
se a disciplina e a hierarquia se dissolveram? Como se pode avaliar professores, se ninguém se entende sobre o que devem ser os curricula e os programas? Como se pode avaliar professores se a própria sociedade não tem um modelo do "homem" ou da "mulher" que se deve "formar" ou "instruir"?
Sobretudo, como se pode avaliar professores, se o "bom professor" muda necessariamente em cada época e cada cultura? 0 ensino de Eton ou de Harrow (grego, latim, desporto e obediência) chegou para fundar o Império Britânico e para governar a Inglaterra e o mundo. Em França, o ensino público, universal e obrigatório (grego, latim e o culto patriótico da língua, da literatura e da história) chegou para unificar, republicanizar e secularizar o país. Mas quem ê, ao certo, essa criatura democrática, "aberta", tolerante, saudável, "qualificada", competitiva e sexualmente livre que se pretende (ou não se pretende?) agora produzir? E precisamente de que maneira se consegue produzir esse monstro? Por que método? Com que meios? Para que fins? A isso o Estado não responde.
O exercício que em Portugal por estúpida ironia se chama "reformas do ensino" leva sempre ao mesmo resultado: ã progressão geométrica da perplexidade e da ignorância. E não custa compreender porquê. Desde os primeiros dias do regime (de facto, desde o "marcelismo") que o Estado proclamou e garantiu uma patente falsidade: que a "educação" era a base e o motor do desenvolvimento e da igualdade (ou, se quiserem, da promoção social). Não é. Como se provou pelo interminável desastre que veio a seguir. Mas nem essa melancólica realidade demoveu cada novo governo de mexer e remexer no "sistema", sem uma ideia clara ou um propósito fixo, imitando isto ou imitando aquilo, como se "aperfeiçoar" a mentira a tornasse verdade. Basta olhar para o "esquema" da avaliação de professores para perceber em que extremos de arbítrio, de injustiça e de intriga irá inevitavelmente acabar, se por pura loucura o aprovarem. Mas loucura não falta.

01 março, 2008

Outros tempos, outra escola...

Tirei este texto do "Sorumbático". Não pedi autorização, já que o texto é bom e merece ser lido e divulgado. Os fins justificam os meios, quase apetece dizer! Os autores, esses, creio que não se zangarão.
Barroso, que não o Durão, leva-nos calmamente a um tempo onde todos os papéis estavam claramente definidos e mais "papéis" não eram necessários. Eram poucos os actores? Hoje são muitos?
Não importa! O que é verdadeiramente preciso é não confundir coisas simples como, por exemplo, o direito ao ensino com a obrigatoriedade do sucesso, e outras patetices de um eduquÊs requentado.
Mas Barroso escreve melhor que eu! E os comentários são mesmo bons! Parabéns a todos!


O acto tão belo de ensinar
Por Pedro Barroso

FUI, NUMA OUTRA ENCARNAÇÃO que recordo com um misto de saudade e enfado, professor durante mais de uma vintena de anos. De tal vivência sobra a memória de alunos que se fizeram homens, e que ainda hoje me abraçam no reencontro de um passado que foi comum, embora vivido de lados opostos da cátedra.
Juntando essa experiência com o tempo de aluno - desde os seis anos até ao mais alto grau de licenciatura que a possibilitou - contarei, por alto, mais de quarenta anos a lidar em escolas várias, como aluno e como mestre. Creio que é tempo de ter as experiências digeridas e as andanças suficientemente aprofundadas. Nunca pensei, contudo voltar a falar de ensino com a seriedade e a amargura que vos trago hoje.
Foi um tempo em que se aprendia quando era mester de aprender. Tinha de se decorar a tabuada e aprender a fazer contas, coisa que hoje foi substituída pelas máquinas portáteis de calcular. Tinham de aprender-se os rios e os seus afluentes da margem esquerda e direita, as vias rodoviárias e ferroviárias, a História de Portugal nos seus falsos heroísmos, é certo, mas com um detalhe que abrangia o Gonçalo Mendes da Maia, o Fuas Roupinho, a Deuladeu Martins, o alferes Duarte de Almeida, o Decepado, os reis e seus cognomes, o mapa cor-de-rosa, o Teorema de Pitágoras, a construção do octógono, o SO4H2, enfim.
Tinha de aprender-se a convulsiva Revolução francesa, a geografia do mundo, os cristais e minerais, as línguas em uso, o desenho geométrico ainda a tira-linhas, compasso e outras palamentas rústicas convertidas hoje em ridículos objectos de museu. Liam-se «Os Lusíadas» e a lírica Camoneana; e Gil Vicente, Garrett, Júlio Dinis, Camilo, Eça. Obrigatórios.
Respeitavam-se os professores. Havia faltas de castigo, faltas de material e até faltas por atraso. Uma crueldade, talvez. Mas havia. E no fim perdia-se um ano por chumbar no exame, por mau aproveitamento ou por excesso de faltas. Inapelável.
Ninguém batia num professor; nem aluno, nem pai exaltado. Os conflitos e problemas eram tratados com Directores de Turma; e no caso de serem mais complicados, passavam ao Director de Ciclo, ao Vice-Reitor ou em última análise ao Sr. Reitor, última instância de decisão, autoridade e suposta equidade.
Sentíamos um ambiente de normal deferência, provocada por uma educação, talvez, demasiado acrítica. Eram tempos que não importa defender, sabemos. Mas em que uns aprendiam, outros ensinavam, e o mérito aos melhores reflectia-se, quase sempre - passem algumas embirrações injustas ou simpatias casuais, que sempre as houve - na classificação correspondente ao seu saber.
E afinal, deveria ser, até, um tempo doce e cândido, esse de estudar. Um tempo que se relembra, um dia, com saudade. O primeiro zero no ditado. O primeiro desenho de uma elíptica. O primeiro texto em inglês que se traduziu. O primeiro compasso solfejado sem erro.
Do mesmo modo, já jovem adulto, julgando saber tudo, tenho também igual memória da primeira aula que dei, da reacção dos alunos, da relação discreta e casual mas respeitadora com os pais.
Ao longo da vida, tal como todos nós, coleccionei conhecimento. Mas os trunfos e dados principais, as bases fundamentais do aprender a aprender, esses foram-me dados pela Escola. Por todas as escolas, em todos os escalões e importâncias.
Conheci o outro lado do ensino, como vos disse, na pele de professor efectivo dos Liceus.
Ora bem. Davam-se aulas. Essencialmente isso. O tempo que nos davam em que aparentemente não estávamos a trabalhar, estaríamos em casa a estudar, a preparar aulas, a ver pontos, a aprendermos e relembrarmos muitas vezes a matéria que a nós mesmos nos andasse distante, para melhor a podermos dar no dia seguinte. Ou a descansar de uma das mais duras profissões do Mundo. Que também pertence.
Nas reuniões de notas discutiam-se critérios e aproveitamentos. Nos exames examinava-se o que realmente aquele aluno sabia ou não da disciplina em questão. Uma vez por período escolar acertava-se o passo na matéria, para que uns professores não andassem demasiado depressa e outros demasiado devagar. Mas a actividade essencial de uma escola era o ensino. A transmissão. A aprendizagem. Havia que ensinar. Havia que aprender.
Hoje, vejo os professores mais desiludidos que nunca com a sua profissão. Todas as interferências do tecido social, das associações de pais, dos eventuais mecenas e das superiores e enfadonhas tarefas administrativas impostas, imiscuíram-se no ambiente escolar, ocuparam o tempo do professor e diminuíram o seu prestígio e determinância no acto educativo.
As reuniões preparam-se com mais reuniões. O aumentado tempo de horário de permanência na escola não proporciona nem o auto-estudo, o descanso, a renovação, ou a auto-formação essencial.
Atafulhados em papéis para preencher, parece que os professores têm de justificar ao Mundo inteiro as suas análises, as suas classificações e metodologias. A legislação não pára de nos surpreender. Numa versão peregrina de alguma cabeça delirante, uma proposta houve, não sei se ainda vigente, em que a Escola poderia passar a ser dirigida por um representante dos Encarregados de Educação, ou empregados de Secretaria, ou, até, pelo representante eleito do Pessoal auxiliar.
Cabeça semelhante às que, nada mais tendo para fazer, elaboraram o novo tipo de conceitos e designações gramaticais, de memória ainda fresca no ridículo de todos nós. Tanta produção de legislação apenas tem trazido o caos, nunca a liquidez, nem a simplicidade dos factos – Uma Escola é um local de ensino, e pronto.
No outro dia, junto de um ex-aluno meu, há muito tempo já, hoje, ele próprio, professor, colhi o desabafo em relação à sua evolução técnica pessoal de que quando tinha tempo ainda não sabia, e que agora, que ia sabendo, não lhe era dado tempo para desenvolver essas aptidões.
Os programas indulgentes criam alunos ignobilmente inaptos, leia-se analfabetos. E o país, enganado, julga ter o nível educativo em alta. Aferido em que bitola de qualidade? Ao quilo?
Os alunos são, aliás, bombardeados com currículos demasiado carregados - feitos para deslumbrar a Europa, talvez - e desajustados, sombrios, feitos de matérias para esquecer. No fim, um dia, brindam a uma licenciatura sem futuro nem cabimento e infelizmente, quantas vezes, acabam engrossando a lista nacional do desemprego.
A Escola assim tornou-se um massacre para os professores. Uma amálgama de créditos, neo-hierarquias, deveres e secretariado forçado em que quase se parece esquecer o acto maior de ensinar.
Em vez de alma e alegria vejo raiva surda, revolta e perplexidade nas escolas de Portugal. Violência. Abuso. Cansaço. Impotência. Tempo perdido.
Não haverá mão que aja? Não haverá consciência que pare para pensar?