24 março, 2008

Telemóveis e os novos grunhos

O telemóvel está na moda. Quando, como dizia um grunho qualquer (ou grunha, vai dar ao mesmo), "o telemóvel é a extensão do corpo" fica-se sujeito ao desiderato que Eurico de Barros reporta.

O texto que se segue merece uma reflexão (individual e colectiva) sobre o que somos, que sociedade queremos, que estilo de vida defendemos. Não adianta afirmarmo-nos ecologistas e depois praticarmos precisamente a sua antítese. Não adianta dizermos que gostamos muito da Natureza, dos golfinhos, das flores, dos animais e depois sermos completamente surdos e alienados de tudo quanto nos rodeia. Assim, não há consciência que nos valha. Use-se a tecnologia claro, já que foi feita para nos facilitar a vida, mas não nos deixemos escravizar por ela a ponto de ignorarmos o mundo real que nos cerca e/ou outros que nos acompanham. Nunca o Homem teve tantos meios ao dispor para comunicar e, quiçá, nunca esteve tão isolado como agora.

A derrota do silêncio

eurico de barros



Lisboa, Teatro São Luiz, noite de quinta-feira. Um telemóvel toca logo no início do recital do pianista português Artur Pizarro e é sonoramente atendido. O músico pára a execução da peça e retoma-a logo a seguir. Mais adiante, torna a ouvir-se outro toque, mas desta vez Pizarro não pára. A seguir ao intervalo, soa outro telemóvel, longamente, porque o proprietário nem se digna desligá-lo. Artur Pizarro deixa de tocar e diz à criatura: "Atenda, que eu paro. Mas saia". E pega nas partituras, levanta-se e vai-se embora. Há burburinho na sala e é anunciado que o pianista não regressará. O dono do telemóvel que estragou a noite a Pizarro e ao público do São Luiz dirige-se à bilheteira para exigir o dinheiro de volta, porque o recital foi interrompido.


O telemóvel já substituiu a tosse cava e o barulhinho do papel de rebuçado como grande elemento perturbador nas salas de espectáculos. Mas o fenómeno não se deve apenas a um punhado de esquecidos crónicos que nunca desligam os telemóveis no teatro, no cinema, na ópera ou no recital, nem à falta de educação e consideração de meia dúzia de grosseiros, os mesmos que antes de haver telemóveis faziam barulho e falavam alto nos espectáculos. Ele é a manifestação de um mal-estar social muito maior. O adolescente parvinho, o novo-rico cultural, o grunho das novas tecnologias, a cinquentona impertinente que se vão sentar numa plateia ou num auditório sem silenciar o telemóvel e o atendem ostensivamente enquanto os actores interpretam, os músicos tocam, o filme corre ou os cantores vocalizam, já não sabem ser espectadores.

Perderam a noção do que é assistir a um espectáculo partilhado colectivamente.

A sociedade em que nasceram e foram "educados" é uma sociedade que tem horror ao silêncio e só está bem no meio do barulho, incomode a quem incomodar.

A cultura em que vivem é a da comunicação redundante, da palavra vazia, do falar para dizer nada mas até se ficar sem voz, alimentada pelas empresas de telecomunicações e pelas campanhas de publicidade. No nosso mundo há educação a menos e som a mais.

Admiram-se por isso que toquem cada vez mais telemóveis e sejam atendidos nas salas de espectáculos?

Habituem-se!

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