23 fevereiro, 2008

Educação p'ra que te quero?

Depois de estar parado (melhor dizendo, paradinho) por via dos múltiplos afazeres retoma-se a actividade. Fica um texto, no meio de imensos que ultimamente têm sido produzidos, de excelente qualidade, a propósito das cavaladas e macacadas feitas pelo trio maravilha da 5 de Outubro. A autoria deste texto é de Paulo Rangel, e merece bem que se divulgue:

1. Parece que a ministra da Educação disse algures que "o sistema educativo está demasiado centrado nos professores". Parece, aliás, que anunciou uma verdadeira "revolução coperniciana", afirmando que, de ora em diante, ele passaria a estar centrado nos alunos, que constituem afinal a sua razão de ser. Trata-se de um dos mais surpreendentes enunciados políticos dos últimos tempos. Só mesmo ultrapassado pela surpresa que causou o aplauso quase unânime da opinião publicada e pública a tal posição de princípio.
Surpresa que resulta da minha convicção de que o sistema educativo tem essencialmente gravitado em torno do aluno ou, para retomar uma fórmula de Ortega, em torno "do aluno e da sua circunstância". Com efeito, basta compulsar o debate educativo travado em Portugal para perceber que a agenda pública foi sempre marcada pelo interesse imediato dos alunos. Fosse na discussão das propinas, fosse na controvérsia sobre a introdução dos exames, fosse na queixa do excesso de "trabalhos de casa", fosse na vitória em toda a linha das modas mais aberrantes das "ciências da educação". Tem havido, é bem verdade, um debate permanente à volta do lugar da escola estatal - muito dinamizado pela Igreja - e houve uma luta mediática em favor da publicação da avaliação das escolas. Mas estes dois tópicos têm natureza institucional, em nada contribuindo para corroborar o juízo de que a educação está focada nos docentes. O único momento em que os professores, ciclicamente, aparecem como o cerne da esfera pública é o da realização do concurso para colocação. Mas aí com a generosa solidariedade da opinião pública, que reconhece os efeitos contraproducentes das regras vigentes.
2. Pôr as coisas nestes termos - quais sejam os de identificar o agente educativo cujos interesses mais intensamente "capturaram" ou "cativaram" as políticas educativas - é, porém, e já de alguma maneira, aderir ao ponto de vista da ministra. E isto mesmo que se discorde dela quanto à individualização do agente - para ela, os professores; para outros, nos quais me incluo, os alunos. Na verdade, tal perspectiva faz reentrar, pela porta larga, a "luta de classes" na escola: de um lado, os alunos e seus pais; do outro, os professores. De um lado, os explorados; do outro, os exploradores. De um lado, a sociedade civil; do outro, uma burocracia dominante. Eis uma perspectiva que, em caso e tempo algum pode aceitar-se, pelo seu carácter redutor, simplista e demagógico.
3. Os dois principais problemas da escola portuguesa são a falta de exigência e a falta de autoridade. A falta de exigência lê-se directamente nos resultados dos alunos e nas estatísticas internacionais. E deve-se, antes do mais, à escassez de mecanismos de avaliação intercalar como são as provas regulares (orais, escritas, práticas) e os exames de âmbito escolar, regional e nacional. Mas deve-se também à impossibilidade ou à imensa dificuldade de fazer reprovar - uso o verbo "reprovar", e não o verbo "reter", intencionalmente - um aluno que não atinge os níveis suficientes. Não vale a pena ter ilusões: a reposição dos níveis de exigência terá de passar por um período, mais ou menos doloroso, de crescimento da taxa de insucesso escolar.
Já a falta de autoridade e disciplina no ambiente escolar tem sido aferida largamente de modo empírico. Não restam, todavia, dúvidas de que ela resulta de um estatuto disciplinar frouxo, de uma prática reiterada de laxismo e da estrutura "democrática" de gestão. O reforço da panóplia de medidas disciplina­res disponíveis e a existência de uma estrutura hierárquica de aplicação são medidas antipáticas que podem, no curto prazo, restaurar a paz nas escolas - a paz indispensável àquela cultura de exigência.
Curiosamente, estes dois itens - exigência e autoridade -, na perspectiva governamental da "tensão" entre agentes educativos, apontam mais para uma escola centrada na figura do professor do que na figura do aluno. A escola não pode abdicar de ser a depositária de uma missão institucional objectiva: a transmissão social e "intergeracional" do saber. Ela não tem, por isso, de se tornar num espaço de felicidade ou realização individual: tem, isso sim, de desempenhar uma função.
4. De algum modo, o Governo, com este seu discurso e com esta sua prática, importou, para o âmbito mais largo da política educativa, a "centralidade" que o aluno já detinha na metodologia pedagógica. O que, para usar um jargão conhecido, significa que o "eduquês" vai ser agora convertido em "politiquês". Eis o que, aliás, está bem patente na última das novidades dadas pela ministra da Educação: a de que vão ser abolidos os "trabalhos de casa". E mais ainda, na sua justificação: a de que os "trabalhos de casa" feitos em casa reproduzem a discriminação social ou "sócio-económica". Julgo que não vale sequer a pena dissertar sobre o tremendo erro que esta medida representa e o que ela implica para a indução ao estudo, a virtude do esforço, a aprendizagem individual e o sentido da responsabilidade ou do dever. Mas, ao menos - agora que se descobriram os inúmeros méritos da avaliação "parental" -, que se reconheça que os "trabalhos de casa" são a ligação mais próxima e imediata dos pais à escola, a ocasião privilegiada para os filhos falarem sobre a vida estudantil e os pais formarem uma opinião sobre o meio escolar. E quanto ao inacreditável argumento social, ele arranca do mais preconceituoso dos preconceitos, esquecendo a mole humana de pais que, sem estudos próprios, se preocupam diariamente com a frequência escolar dos seus filhos.
5. Tudo está, portanto, em ver alunos, pais e professores como actores aos quais cabe, entre direitos vários, a realização de uma função social de primeiro relevo. Com o actual discurso, desapareceu o desígnio funcional e todos os dias esmorece o prestígio dos professores, agora desautorizados pela ministra. Receio bem que, por entre aplausos e encorajamentos, se esteja a acreditar num mito.

3 comentários:

Brotero disse...

A vergonha ministerial saiu à rua e já não tem vergonha de caminhar a passos largos para o descrédito total. Muitos cidadãos agradecem convictos que o futuro educativo dos jovens está no facilitismo e no chico-espertismo. O país com este desgoverno vai cada vez mais afundando-se na mediocridade que tem sido apanágio da vida intelectual, económica e política dos últimos 2 séculos.

Guimaraes disse...

Transcrevo o post do Prof. Júlio Machado Vaz no "Murcon":
:). Sem dúvida!
Profs....a culpa é deles!(Texto de Ricardo Araújo Pereira)
Neste momento, é óbvio para todos que a culpa do estado a que chegou oensino é (sem querer apontar dedos) dos professores. Só pode serdeles, aliás. Os alunos estão lá acontragosto, por isso não contam. O ministério muda quase todos osanos, por isso conta ainda menos. Os únicos que se mantêm temposuficiente no sistema são os professores. Pelo menos os que vãoconseguindo escapar com vida.É evidente que a culpa é deles.E, ao contrário do que costuma acontecer nesta coluna, esta não é umaacusação gratuita. Há razões objectivas para que os culpados sejam osprofessores.Reparem: quando falamos de professores, estamos a falar de pessoas queescolheram uma profissão em que ganham mal, não sabem onde vão sercolocados no ano seguinte e todos os dias arriscam levar um banano deum aluno ou de qualquer um dos seus familiares.O que é que esta gente pode ensinar às nossas crianças? Se elespossuíssem algum tipo de sabedoria, tê-Ia-iam usado em proveitopróprio.. É sensato entregar a educação dos nossos filhos a pessoas comesta capacidade de discernimento? Parece-me claro que não.A menos que não se trate de falta de juízo mas sim de amor ao sofrimento.O que não posso dizer que me deixe mais tranquilo. Esta gente opta porpassar a vida a andar de terra em terra, a fazer contas ao dinheiro ea ensinar o Teorema de Pitágoras a delinquentes que lhes querem bater.Sem nenhum desprimor para com as depravações sexuais -até porque sofrode quase todas -, não sei se o Ministério da Educação devia incentivareste contacto entre crianças e adultos masoquistas.Ser professor, hoje, não é uma vocação; é uma perversão.Antigamente, havia as escolas C+S; hoje, caminhamos para o modelo deescola S/M. Havia os professores sádicos, que espancavam alunos; agorao há os professores masoquistas, que são espancados por eles. Tomandosempre novas qualidades, este mundo.Eu digo-vos que grupo de pessoas produzia excelentes professores: o povocigano.Já estão habituados ao nomadismo e têm fama de se desenvencilhar bemdas escaramuças. Queria ver quantos papás fanfarrões dos subúrbios iampedir explicações a estes professores. Um cigano em cada escola, é aminha proposta.Já em relação a estes professores que têm sido agredidos, tenho menosesperança.Gente que ensina selvagens filhos de selvagens e, depois de seragredida, não sabe guiar a polícia até à árvore em que os agressoresvivem, claramente, não está preparada para o mundo.Ricardo Araújo Pereira in Opinião, Boca do Inferno, Revista Visão

Armando Tavares disse...

Pf. Vejam em http://segurancaditasocial.blogspot.com