13 março, 2007

Um texto digno de ler de Santana Castilho

Saído no Público, aqui vai ele inteirinho. Fala por si.

Avaliação do desempenho, pura e simplesmente, não existe. Apenas bolsa da pesporrência retórica dos novos justiceiros

O genocídio dos funcionários públicos

O que o Governo acaba de propor para o fun­cionalismo público é a continuação de um genocídio em que os professores foram os primeiros imolados. Muitos dos que aplaudiram a cruzada, sendo funcionários públi­cos, perceberão, quando lhes tocarem ã porta, que os dividendos do egoísmo são efémeros. O que se fez aos professores vai agora ser aplicado aos restantes fun­cionários públicos. Concluído este segundo assalto, o sector privado ficará à mercê da lógica dos patrões: se a precariedade já é máxima no público, por que havemos de manter o que sobra de estabilidade no privado? Pela mão de Sócrates, o Único, a esquerda moderna terá então feito, numa legislatura, mais do que a direita desejou, mas não fez, durante toda a Terceira República.
Os comportamentos mudam-se com incentivos, com formação, com comunicação organizacional, com chefias competentes, com gestão adequada. O grande problema dos serviços públicos não radica nos que obedecem. Está nos que mandam. Os que mandam querem convencer os indígenas de que a chave do sucesso é a avaliação do desempenho. Mas não sabem do que falam. 0 que produzem é tecnicamente grosseiro e com objectivos únicos: diminuir as remunerações, aumentar as horas de trabalho, despedir, vergar. Não será por aí que aumentarão a qualidade e a produtividade.
A avaliação do desempenho só serve se for um instrumento de gestão do desempenho. Os reformadores ignorantes confundem avaliação do desempenho com classificação do desempenho. Avaliar é comparar um percurso percorrido com um percurso planeado, para identificar obstáculos e formas de os superar. Supõe ob­jectivos claramente definidos e estratégias adequadas. À boa gestão importa, sobretudo, o carácter formativo da avaliação: para identificar as dificuldades das pessoas e ajudá-las a superá-las, com formação e assistência; para apurar a ineficácia e a ineficiência dos processos e substi­tuí-los por outros mais adequados. Um processo credível de avaliação tem uma lógica de 360 graus. Envolve todos. Não deixa de fora os chefes, obviamente.
Classificar é seriar. Tão-só! Tendo aplicações e importân­cia, não põe conhecimento onde ele não existe. Pode haver avaliação sem classificação. Mas não se deve classificar sem avaliar. A obsessão dos nossos reformadores reside na classificação. Construíram uma fantasia com a qual julgai) chegar ao fim sem abordai o inicial e 11 intermédio. 0 que têm produzido são grelhas de classificação mal feitas, a aplicar por processos e critérios que a gestão moderna há muito abandonou. Isto não provocará mudança organiza­cional. Isto vai gerar, por parte dos funcionários visados, o que a literatura da especialidade denomina por retaliação organizacional. Ou seja, oposição dissimulada e desmotiva­ção generalizada, a última coisa de que necessitamos para melhorar os serviços. Quando tal acontece, é evidente que a culpa não reside nos funcionários, mas nos chefes e nos processos e sistemas que impõem. Sobre o essencial para reformar a função pública, continuará a pairar o silêncio do Olimpo. Quanto a avaliação do desempenho, pura e simplesmente não existe. Apenas bolsa da pesporrência retórica e oca dos novos justiceiros.
O que se conhece da grelha proposta para classificar professores que concorrerão ao topo da carreira é para­digma do que acabo de afirmar. Está lá tudo: o atropelo grosseiro à lei; a evidência de que legislam por impulso, sem coerência nem norte (começaram por achar que 120 pontos eram o mínimo e já baixaram para 95); o primado do administrativo sobre o pedagógico (menosprezo es­candaloso da docência e do conhecimento, que chega ao ridículo de valorar ou não um doutoramento em função do dia em que foi feito). É a burocracia posta num altar, que nenhum Simplex disfarça.

Professor do ensino superior

Santana Castilho

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