Passada que está a reacção a quente de muito boa gente sobre a escolha feita por alguns portugueses do "O maior português de todos os tempos" é já tempo de espreitar para além da poeira e tentar descortinar o significado da escolha. A escolha de António de Oliveira Salazar.
Deixemos pois reacções ridiculamente histéricas de virgens púdicas e procure ler-se a realidade psicológica do povo português e do mundo em que nos encontramos.
Isto porque ambas são indissociáveis e coabitam perfeitamente. Não é uma realidade simples. Bem pelo contrário, assume foros de complexidade que englobam uma perspectiva futurista com memória atávica e arquétipos de pensamento intrínsecos à realidade e modo de ser do povo português. E não será mesmo fácil encontrar uma explicação cabal. Muitas interpretações aportarão apenas parcelas de uma realidade. Tentemos uma mais.
Nas leituras de Eduardo Lourenço e José Gil sobre Portugal e os portugueses encontramos parte da explicação para esta mistura de saudosismo e memória curta, de retórica em prol da liberdade mas ânsia da segurança providenciada pelo autoritarismo (não confundir com autoridade), de desenrascanço individualista e fascínio por figuras salvíficas e regeneradoras. Basta recordar que de todos os nomeados, cinco com implicações políticas assumiam formas de um elevado grau de autoritarismo: Afonso Henriques, Marquês de Pombal e D. João II, isto para além de Salazar e Cunhal. Logo aqui uma tendência clara para uma prevalência de regime autoritário. Mas a explicação para esta tendência natural não chega. De facto coexiste o mito sebastianico. Quantas vezes não ouvimos dizer que isto só lá vai com um novo... Salazar, ...Afonso Henriques, ... Marquês de Pombal? O salvador da pátria, o Messias redentor tem de estar presente no imaginário lusitano.
Mas não chega. Pegue-se no exemplo de Sócrates dos dias de hoje. Assume-se como autoritário, quiçá mesmo a descambar para aquilo que se sabe, mas acaba por não ser querido. Tem alguma simpatia, mas não tem o carisma do Messias redentor. Porque lhe falta qualquer coisa que os anteriores tinham: VALORES!! Esse é um dos grandes pontos! Todos os dias se registam casos de corrupção, compadrios, trafulhices, manigâncias e outras coisices mais... E as pessoas não confiam! Para mais quando ele próprio dá o exemplo da mentira!
A ausência de valores de referência numa sociedade abala a confiança da mesma. Não dá estabilidade; não há garantias de nada. Não há segurança pessoal (em termos físicos, de trabalho, de esperança no futuro), não há confiança em quem governa (esse crédito vai "borda fora" todos os dias a cada nova mentira do governo que nos desgoverna), a palavra já não tem valor, não se consegue antecipar o futuro ou minimamente prever o dia de amanhã.
Esta intranquilidade acaba por empurrar o comum dos mortais para os braços de qualquer um que lhe garanta este mínimo: valores que possam servir de referência e segurança.
A sociedade neoliberal que paulatinamente se implanta no país e na Europa desfaz tudo quanto está associado aos valores e segurança tradicionais. Mas desfaz não os substituindo por um outro conjunto de referências. Antes os substitui por um niilismo desesperante que não oferece o mínimo ponto de salvaguarda. Impõe antes um esquema onde o valor individual impera, onde não há rei nem roque, nem regra segura e perene. As coisas mudam constantemente qual moda parisiense de estação em estação.
E as pessoas sentem-se perdidas. E querem referências. Mesmo um outro valor, típico do português - a solidariedade de vizinhança, mesmo essa dizia perdeu-se. Essas relações de vizinhança desfizeram-se com o assomo do individualismo exarcebado. O português tradicional era individualista. Mas sabia que havia momentos onde o DEVER de Solidariedade se sobrepunha ao individualismo. Eram os momentos de crise. Crise individual, familiar, de vizinhança, nacional.... Sabia-se distinguir até onde podia ir o individualismo e onde ele devia terminar em prol do outro. Hoje isso já deixou de existir.
Ao contrário de Eduardo Lourenço e José Gil não acredito na memória curta, povo português. Bem pelo contrário. Essa memória não mesmo curta. Ela revê o tempo do António Oliveira e compara a estabilidade, a segurança, os valores e a solidariedade que existia. E, apesar de todos os males personificados por Oliveira Salazar os prós e os contras inclinam o prato da balança em favor deste.
Mas há uma leitura que não pode deixar de ser feita e que não deixa de ser angustiante para um futuro se calhar não tão distante quanto isso - a abdicação da liberdade a troco de segurança. Já vimos este filme nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, defensores acérrimos das liberdades individuais... Após o 11 de Setembro de 2001...
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