03 abril, 2008

A agenda oculta da educação (parte IV) – O destino final


Para onde vai o sistema de ensino em Portugal? Qual o derradeiro destino? O que se pretende com tanta mudança em tão curto espaço de tempo? Não é, de facto, algo que se veja às escancaras. É todo um processo que quase diria subliminar, e do qual teremos a verdadeira percepção quando o edifício estiver quase todo terminado. Mas tente-se fazer um esboço.
Com a ideologia neste momento predominante em Portugal, na Europa e em boa parte do mundo – o neoliberalismo desenfreado, é de crer que a escola seja cada vez mais encarada como uma empresa, mais uma oportunidade de produzir mais valias, e a formação/educação/ensino seja transformada em mais uma mercadoria e como tal tratada.
As medidas tomadas (não apenas por este governo, mas também por muitos dos anteriores) visam alterar o paradigma inerente a uma escola de um estado social. Uma escola que se pretendia democrática, aberta a todos, respeitadora das idiossincrasias de todos e de cada um, dando a cada qual a oportunidade imprescindível para a sua valorização pessoal. Nem sempre os estados (em moldes genéricos e, particularmente o português) terão conseguido tal deside­rato de forma completa mas, o pouco ou muito que foi feito possibilitou a cons­trução de uma sociedade assente em valores diversos que, não submergindo a individualidade não escavacaram a noção de solidariedade.
Por força da sociedade de hiper-consumo os valores alteraram-se e nada garante que para melhor. O individualismo reina, o hedonismo e o narcisismo campeiam, o egoísmo tudo subverte. Tudo se compra e tudo se vende. As escolas não vão escapar à sanha devoradora de fazer dinheiro.
Portanto, a formação/educação vai tornar-se uma mercadoria como outra qual­quer. E o desenvolvimento de empresas ligadas ao ensino está já a dar os passos iniciais. Já existem alguns grupos. A título de exemplo: o Grupo Fomento (ligado à Opus Dei -
http://www.fomento.pt/) e o Grupo GPS (liderado pelo ex-deputado socialista António Calvete - http://www.gpssgps.pt/). Falta ape­nas alguma produção legislativa para se começarem a assenhorear das escolas públicas. Tal produção legislativa não deverá tardar muito, embora acredite que a sua concretização apenas venha a ocorrer com o início da pró­xima legislatura (2009-2013).
O sistema empresarial de ensino (que Georges Ritzer apodou de MacDonaldi­zação) reger-se-á por quatro pilares fundamentais: um programa escolar determinado centralmente pelo ministério com particular ênfase sobre a mate­mática e língua materna, decisões operacionais colocadas a nível de escola, utilização de exames como forma de avaliação das performances, formação de professores de acordo com a nova filosofia. Alguns destes princípios já estão a ser postos em execução pelo ministério como forma de preparação do terreno para o futuro.
As escolas-empresa quando entrarem no terreno colocarão em prática os prin­cípios estruturantes complementares do sistema: eficiência, rentabilidade, pre­visibilidade e controle. Como corolário deduz-se facilmente que os interesses administrativos/burocráticos e o “leitmotiv” da geração de mais valias prevale­cerão sobre os pedagógicos.
Este sistema será implantado sob duas formas – a primeira em resultado da municipalização do sistema de ensino básico e a segunda por uma espécie de “ajuste directo” entre o Ministério e as empresas a ser aplicado no secundário. Talvez neste caso não se chegue à privatização total mas a formas de conces­são, parcerias ou contratos de associação entre o Ministério e as empresas.
A primeira das formas a avançar será a municipalização do sistema, já prevista para 2008/2009. Depressa (se é que já não têm consciência disso) as Câmaras Municipais vão chegar à conclusão que não têm vocação, capacidade, meios técnicos e humanos para gerir com eficiência toda a enorme massa estrutural que lhes vai cair nos braços, com os seus problemas muito específicos e exi­gências muito próprias.
Daí a passarem a tarefa para “empresas especializadas” transferindo-lhes na totalidade (ou quase) as competências que o governo lhes delegará será um pequeno passo. E, também num futuro não muito distante vamos ver os pro­gramas curriculares (com excepção dos programas estruturantes de língua materna, matemática e língua estrangeira – inglês) serem decididos pelos gru­pos de cidadãos com interesses religiosos ou económicos ou outros. Natural­mente, nenhuma dessas empresas funcionará por “amor à causa” ou por cari­dade. O seu objectivo será a produção de mais valias – o lucro!
Como tal há que rentabilizar o sistema. Há que reduzir os custos e apresentar resultados uma vez que o financiamento do sistema será feito não apenas em função dos alunos a frequentar as escolas, mas também em função dos resul­tados que estes apresentarem por comparação aos resultados nacionais.
Essa rentabilização poderá passar por – contratação de professores em início de carreira com contratos precários (manterão alguns titulares para dar a apa­rência de garantia de qualidade – talvez assim se perceba o que a ministra quis dizer que 10% de professores titulares seriam suficientes e que os 30% do pri­meiro concurso eram uma benesse!); cobrança aos pais de “serviços extra” (ir buscar/levar a casa, lanche a meio da tarde, ensino de música, desporto, dança após o tempo lectivo), guarda dos alunos para além da hora estabele­cida, actividades em férias, etc… A escola a tempo inteiro que agora está a ser ensaiada destina-se a criar hábitos e a mentalizar a população dessa necessi­dade.
A redução do número de professores necessários é também evidente (caso do professor generalista até ao 6º ano e possível extensão até ao 9º). Repare-se que neste último caso os que vão ter preparação específica estarão a iniciar carreira, logo, “baratitos”. Creio que será possível o alargamento da escolari­dade obrigatória para os 12 anos; mas não será para o 12º ano que esse alar­gamento será feito. Ele incidirá sobre os três anos de pré-escolar, como forma de garantir a maior clientela possível para as “empresas-escola”.
No secundário o estado progressivamente irá deixar de o financiar, assim como o fará também em relação ao superior. Começarão com aumentos lentos das propinas até ao financiamento total desse ensino pelos interessados. Ou talvez embarque (mais tarde) pelo cheque-ensino e deixe de financiar de forma directa as escolas secundárias, uma vez que não estão incluídas no ensino obrigatório (da mesma forma como o ensino profissional, artístico ou especiali­zado).
Resumindo iremos ter a breve trecho escolas distintas mas padronizadas de acordo com o projecto de cada empresa-escola; um pouco como as “charter schools” americanas (às quais já começa a surgir publicidade ao conceito em Portugal); surgirão empreendimentos que aplicarão o conceito supervisionado pela mentora inicial do projecto. Procurar-se à mais, pela própria natureza do finan­ciamento deste ensino, uma eficácia baseada nas performances e não em fun­ção das necessidades (daí o ênfase na matemática e língua materna, factores de comparação e ponderação em termos globais). O Estado será apenas o supremo fiscalizador e subvencionador do sistema baseado nos resultados obtidos. E as escolas que não derem rendimento pura e simplesmente fecha­rão as portas. É a lei do mercado… Não vende, não tem resultados, não tem direito à existência!
Os prejudicados serão, em larga medida, os menos favorecidos. A excelência ficará reservada para as elites.

3 comentários:

Anónimo disse...

Parceria público-privada paga centros educativos


Dois centros educativos estão a ser construídos de raiz com dinheiros de uma parceria público-privada, aprovada em 2007, no valor de 15 milhões de euros.

Os dois equipamentos, um na cidade e outro na freguesia de S. João de Areias, estão orçamentados em oito milhões de euros, e vão acolher cerca de 400 crianças do 1º ciclo do ensino básico e do pré-escolar, que frequentam escolas que fecharão no fim do ano lectivo 2008/09.

A carta educativa prevê ainda um terceiro centro, na freguesia de Treixedo, que começará a ser edificado mais tarde, mas fora da parceria público-privada. Será da iniciativa da autarquia.

Os que estão já em construção, e que devem ser inaugurados em Setembro de 2009, a tempo do início do ano escolar 2009/2010, vão dispor de todas as condições de ensino biblioteca, refeitório, salas polivalentes, polidesportivo ao ar livre, ginásio, sala de professores, gabinetes, vestiários, recreio coberto, entre outros espaços.

"Serão centros educativos de excelência", garante o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço.

O concelho tem actualmente abertas 16 escolas do 1º ciclo e 13 jardins de infância. Vão encerrar todas, para darem lugar aos três novos centros educativos previstos na carta.

Anónimo disse...

Excelente texto. É necessário divulgar esta realidade e tomar medidas para bloqueá-la, mesmo que por vias menos ortodoxas. O estado social precisa ser mantido e temos de lutar por ele.

Anónimo disse...

Escola Básica
Abrantes: população contra fecho de escola
2008/04/05 | 15:36
108 alunos da Escola Básica de Alvega transferidos em Setembro

Uma centena de pessoas manifestou-se esta madrugada na Assembleia Municipal de Abrantes contra o anunciado encerramento da Escola Básica EB 2,3 Fernando Loureiro, na freguesia de Alvega, noticia a agência Lusa.

No próximo ano lectivo, os 108 alunos que frequentam aquele estabelecimento de ensino vão ser transferidos para Abrantes, a 25 quilómetros, onde o Agrupamento Escolar de Alvega e Concavada será fundido com o Agrupamento de Escolas D. Miguel de Almeida.

Fernando Matos, porta-voz da população, disse que a intenção anunciada da Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) em encerrar o estabelecimento de ensino no próximo mês de Setembro causou «mal-estar, perplexidade, consternação e revolta».

«Se a carta educativa do concelho preconizava o encerramento da escola só em 2011, entendemos não existir justificação para anteciparem o que estava estabelecido com todos os parceiros», afirmou à Lusa.

Segundo disse, «é mais de uma centena de crianças que vai ser obrigada a deixar de repente o seu ambiente rural e familiar para irem para um ambiente citadino o que gera naturais sentimento de receios e de insegurança a todos os pais e encarregados de educação».

Fernando Matos afirmou ser necessária a «ajuda» da Câmara no sentido de tentar «reverter a decisão» da DREL e «acalmar a revolta» da população.

O presidente da Junta de Freguesia de Alvega, na sua intervenção, disse sentir uma «indignação absoluta» pela perspectiva de encerramento do estabelecimento de ensino.

Segundo disse António Moutinho, «esta é mais uma forma de complicar e asfixiar a vida das pequenas povoações uma vez que ninguém contava com esta situação».

Composto por 34 docentes e 108 alunos com idades compreendidas entre os 9 e os 16 anos, do 5º ao 7º ano de escolaridade, o encerramento da Escola Básica de Alvega integra-se no objectivo instituído pela carta educativa do concelho de Abrantes em concentrar os alunos em «menos escolas mas mais qualificadas».

«Nem sequer pediu parecer à Câmara»

O Presidente da Câmara disse que a decisão é da «exclusiva responsabilidade» da DREL que «nem sequer pediu parecer à Câmara».

Segundo afirmou Nelson de Carvalho, «a Câmara não pode dizer que a escola não vai encerrar porque tem a carta educativa aprovada e nela consta o encerramento deste estabelecimento de ensino».

Nelson de Carvalho anunciou esta madrugada à população presente na Assembleia Municipal que vai criar um «circuito especial de autocarros» para fazerem a ligação Alvega-Abrantes e vice-versa, «de forma a que as crianças estejam o menor tempo possível longe de casa».

Irene Ruivo, da Associação de Pais e Encarregados de Educação, disse em resposta que, a não se poderem inscrever em Alvega, «muitos alunos irão para o vizinho concelho de Gavião», que dista 15 quilómetros da freguesia, e não para o Agrupamento de Escolas D. Miguel de Almeida, em Abrantes.

«É uma questão de opção mas os pais responsáveis devem tomar a decisão de escolher as melhores ofertas e as melhores respostas em termos educativos para os seus filhos», concluiu o autarca.