Fui "roubar" este texto ao Baptista Bastos. É demasiado bom para passar despercebido.
O Rádio Clube Português deu-me a notícia, logo de manhã: o “socialismo moderno” prepara-se para “actualizar” as regras da lei das manifestações. Ia compor a frase com um melancólico advérbio de modo, e um fatigado adjectivo: “Fui tristemente surpreendido” – porém, já nada me surpreende (embora tudo me entristeça) nas decisões tomadas por José Sócrates.
É um pesado fadário que temos de cumprir. Caímos numa armadilha tenebrosa e fomos enganados com ardis, aldrabices e artimanhas.
Devemo-nos perguntar, e exigir que Sócrates se pergunte, quais as razões pelas quais quarenta e sete por cento dos velhos portugueses aceitam como boa a eutanásia? Porque o Governo os despreza, espezinha, explora, humilha, vexa – não lhes acode, não os protege, não os defende, não os agasalha, não os ama.
Herborizados pelo mais assombroso e eficaz dispositivo propagandístico de que me recordo, os portugueses vivem em astenia moral, social e ideológica. Parecem indiferentes à evidência de que este Governo está contra eles: está contra nós. O “socialismo moderno” vai criar novos impostos aos reformados; vai aumentar os combustíveis (e, decorrentemente, tudo o que lhe procede, de bens imprescindíveis); fez crescer o desemprego; encerrou centros de saúde, maternidades e postos de atendimento imediato. Deu às taxas moderadoras a configuração da pornografia política, ao aumentá-las escandalosamente. Sob a obscena e abstrusa afirmação de que há “escolas que não dão rendimento social”, porque têm menos de dez alunos, encerrou centenas delas.
O rol de malfeitorias é infindável. Resoluções marcadamente antisociais explicam o número de portugueses pobres: mais de dois milhões=mais de um quinto da população. Porém, cerca de meio milhão sobrevive nos níveis da miséria. Não se sabe ao certo a percentagem, em todo o País, de portugueses sem-abrigo. O número de jovens licenciados sem emprego nem perspectivas de futuro acresce na pauta de todos os desesperos. As privatizações previstas não resolvem os problemas nacionais, no-lo ensinam economistas prestigiados, como o prof. Medina Carreira, cuja intervenção na vida pública devia ser mais assídua, pelo seu destemor cívico e pela sua excepcional qualidade pedagógica.
Por outro lado, a criação de mais “empresas hospitalares”, rude eufemismo que mascara o fácies do “privado”, não diminui as despesas com o pessoal. Depois, aqui e além, continuam as reformas sumptuosas e os vencimentos ultrajantes de “gestores”, que passam de “especialistas” de televisão a peritos em fábricas de parafusos e destas para companhias de produtos farmacêuticos, a seguir para as oleaginosas.
Assisti, na América Latina, anos de 60, a vergonhas semelhantes. No Brasil, então, o despudor chegou a horizontes tão agressivos que a radicalização foi a solução encontrada pelos desesperados. Percorri, na época, parte substancial da imensa nação. Encontrei-me, clandestinamente, com grandes resistentes, que se opunham à guerrilha urbana. Não a admitiam nem justificavam, mas tentavam explicar-me a natureza profunda da cólera popular. A Igreja vaticana, com excepção de Dom Hélder Câmara e poucos mais bispos, remetia-se ao tradicional silêncio da cumplicidade. Os padres partidários da Teologia da Libertação eram ferozmente perseguidos pela hierarquia católica e pelos militares. Parte da Imprensa, nas mãos de senhores poderosos e oligarcas, foi conivente. Até que.
Viajo, com frequência, por Portugal. Possuo adequada informação do que se passa. Quando posso, e assim que posso, ergo a voz do meu protesto. O famigerado défice tem servido de pretexto para esta furiosa avançada. Um comentador de voz grossa e módica meninge discorria, há dias, acerca do “alívio” que o Governo estava a sentir. E blá-blá-blá sobre exportações, “factores exógenos”, “cepa torta” – trapalhadas sem direcção nem sentido. Como acentuou, meses atrás, o prof. Medina Carreira, a luta contra o défice devia envolver toda a gente, e não os mais desprotegidos. Eis a questão.
Vivemos sob o império da mentira, da dissimulação e do embuste. Nada nos é claramente dito. A informação é escassa. Tornou-se acto institucional o facto de o Executivo fazer e só depois dizer. O clima de medo, de intimidação, de represália instalou-se na sociedade portuguesa de uma forma larvar. Não se ressalva os direitos adquiridos pelas massas trabalhadoras. Aniquila-se as actividades sindicais. A ofensiva “mediática” contra Paulo Sucena, o grande dirigente da Fenprof, desceu a patamares absolutamente sórdidos. O actual, está sob o fogo de “comentadores” sem beira nem beiral. Carvalho da Silva, cuja dimensão intelectual e sindical não sofre comparação com nenhum outro, tem sido, amiúde, objecto de insídias – sobretudo quando a contestação social chega ao rubro.
Estamos numa situação perturbadora. E não se trata, somente, do País, o que, de si, já seria alarmante, mas, também, dos tratos de polé que José Sócrates aplicou à ideia socialista. Guterres, defensor do “socialismo católico”, coisa risível, escancarara as portas à Direita, proporcionando o descalabro de Durão Barroso e o intermezzo cómico protagonizado por Santana Lopes – agora, malamente de novo, em posição de relevo político. Sócrates, com a “modernidade socialista”, procedeu ao trabalho sujo que a Direita se envergonhava de fazer. O caminho está aberto. Quem nos acode?
APOSTILA – Helena Sacadura Cabral, numa estupenda crónica publicada no diário gratuito “Meia Hora”, escreve sobre a tributação das pensões de reforma, com notável clareza, o seguinte: “Para além do duvidoso critério quantitativo, o senhor ministro esquece que a reforma é algo que se foi constituindo ao longo de uma vida e portanto não pode e não deve ser tratada como um rendimento de trabalho. Esquece, ainda, que a mobilidade profissional de uma pessoa de 70 anos é substancialmente menor do que a daqueles que, ganhando o mesmo, têm 45. Para não falar, já, das necessidades de saúde acrescidas que, nessa altura da existência, os mais velhos terão, com certeza, de enfrentar. Tanto o nosso PM como o dr. Teixeira Santos são jovens. ‘Apenas’ têm o cabelo branco. Mas um dia virá em que outros sintomas surgirão. A vantagem de ambos, e a minha, é que a nossa pensão de reforma será sempre ‘suficiente’ para pagar as maleitas da idade. O problema está naqueles que, ao longo da sua vida, nunca tiveram mais do que o suficiente para pagar o pão de cada dia”.
É um pesado fadário que temos de cumprir. Caímos numa armadilha tenebrosa e fomos enganados com ardis, aldrabices e artimanhas.
Devemo-nos perguntar, e exigir que Sócrates se pergunte, quais as razões pelas quais quarenta e sete por cento dos velhos portugueses aceitam como boa a eutanásia? Porque o Governo os despreza, espezinha, explora, humilha, vexa – não lhes acode, não os protege, não os defende, não os agasalha, não os ama.
Herborizados pelo mais assombroso e eficaz dispositivo propagandístico de que me recordo, os portugueses vivem em astenia moral, social e ideológica. Parecem indiferentes à evidência de que este Governo está contra eles: está contra nós. O “socialismo moderno” vai criar novos impostos aos reformados; vai aumentar os combustíveis (e, decorrentemente, tudo o que lhe procede, de bens imprescindíveis); fez crescer o desemprego; encerrou centros de saúde, maternidades e postos de atendimento imediato. Deu às taxas moderadoras a configuração da pornografia política, ao aumentá-las escandalosamente. Sob a obscena e abstrusa afirmação de que há “escolas que não dão rendimento social”, porque têm menos de dez alunos, encerrou centenas delas.
O rol de malfeitorias é infindável. Resoluções marcadamente antisociais explicam o número de portugueses pobres: mais de dois milhões=mais de um quinto da população. Porém, cerca de meio milhão sobrevive nos níveis da miséria. Não se sabe ao certo a percentagem, em todo o País, de portugueses sem-abrigo. O número de jovens licenciados sem emprego nem perspectivas de futuro acresce na pauta de todos os desesperos. As privatizações previstas não resolvem os problemas nacionais, no-lo ensinam economistas prestigiados, como o prof. Medina Carreira, cuja intervenção na vida pública devia ser mais assídua, pelo seu destemor cívico e pela sua excepcional qualidade pedagógica.
Por outro lado, a criação de mais “empresas hospitalares”, rude eufemismo que mascara o fácies do “privado”, não diminui as despesas com o pessoal. Depois, aqui e além, continuam as reformas sumptuosas e os vencimentos ultrajantes de “gestores”, que passam de “especialistas” de televisão a peritos em fábricas de parafusos e destas para companhias de produtos farmacêuticos, a seguir para as oleaginosas.
Assisti, na América Latina, anos de 60, a vergonhas semelhantes. No Brasil, então, o despudor chegou a horizontes tão agressivos que a radicalização foi a solução encontrada pelos desesperados. Percorri, na época, parte substancial da imensa nação. Encontrei-me, clandestinamente, com grandes resistentes, que se opunham à guerrilha urbana. Não a admitiam nem justificavam, mas tentavam explicar-me a natureza profunda da cólera popular. A Igreja vaticana, com excepção de Dom Hélder Câmara e poucos mais bispos, remetia-se ao tradicional silêncio da cumplicidade. Os padres partidários da Teologia da Libertação eram ferozmente perseguidos pela hierarquia católica e pelos militares. Parte da Imprensa, nas mãos de senhores poderosos e oligarcas, foi conivente. Até que.
Viajo, com frequência, por Portugal. Possuo adequada informação do que se passa. Quando posso, e assim que posso, ergo a voz do meu protesto. O famigerado défice tem servido de pretexto para esta furiosa avançada. Um comentador de voz grossa e módica meninge discorria, há dias, acerca do “alívio” que o Governo estava a sentir. E blá-blá-blá sobre exportações, “factores exógenos”, “cepa torta” – trapalhadas sem direcção nem sentido. Como acentuou, meses atrás, o prof. Medina Carreira, a luta contra o défice devia envolver toda a gente, e não os mais desprotegidos. Eis a questão.
Vivemos sob o império da mentira, da dissimulação e do embuste. Nada nos é claramente dito. A informação é escassa. Tornou-se acto institucional o facto de o Executivo fazer e só depois dizer. O clima de medo, de intimidação, de represália instalou-se na sociedade portuguesa de uma forma larvar. Não se ressalva os direitos adquiridos pelas massas trabalhadoras. Aniquila-se as actividades sindicais. A ofensiva “mediática” contra Paulo Sucena, o grande dirigente da Fenprof, desceu a patamares absolutamente sórdidos. O actual, está sob o fogo de “comentadores” sem beira nem beiral. Carvalho da Silva, cuja dimensão intelectual e sindical não sofre comparação com nenhum outro, tem sido, amiúde, objecto de insídias – sobretudo quando a contestação social chega ao rubro.
Estamos numa situação perturbadora. E não se trata, somente, do País, o que, de si, já seria alarmante, mas, também, dos tratos de polé que José Sócrates aplicou à ideia socialista. Guterres, defensor do “socialismo católico”, coisa risível, escancarara as portas à Direita, proporcionando o descalabro de Durão Barroso e o intermezzo cómico protagonizado por Santana Lopes – agora, malamente de novo, em posição de relevo político. Sócrates, com a “modernidade socialista”, procedeu ao trabalho sujo que a Direita se envergonhava de fazer. O caminho está aberto. Quem nos acode?
APOSTILA – Helena Sacadura Cabral, numa estupenda crónica publicada no diário gratuito “Meia Hora”, escreve sobre a tributação das pensões de reforma, com notável clareza, o seguinte: “Para além do duvidoso critério quantitativo, o senhor ministro esquece que a reforma é algo que se foi constituindo ao longo de uma vida e portanto não pode e não deve ser tratada como um rendimento de trabalho. Esquece, ainda, que a mobilidade profissional de uma pessoa de 70 anos é substancialmente menor do que a daqueles que, ganhando o mesmo, têm 45. Para não falar, já, das necessidades de saúde acrescidas que, nessa altura da existência, os mais velhos terão, com certeza, de enfrentar. Tanto o nosso PM como o dr. Teixeira Santos são jovens. ‘Apenas’ têm o cabelo branco. Mas um dia virá em que outros sintomas surgirão. A vantagem de ambos, e a minha, é que a nossa pensão de reforma será sempre ‘suficiente’ para pagar as maleitas da idade. O problema está naqueles que, ao longo da sua vida, nunca tiveram mais do que o suficiente para pagar o pão de cada dia”.
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