02 setembro, 2007

Desabafos de um socialista....

Não resisto a republicar este texto de Alfredo Barroso, publicado no Sol deste fim de semana. A radiografia está quase completa. Uma abordagem mais aprofundada às benesses ao grande capital, uma leitura mais política ainda do comportamento neoliberal deste governo (que o é apesar de alguns arrebiques de estado autoritário e centralizador - mas isso faz parte para poder levar a água ao seu moinho) e dos seus objectivos inconfessáveis. Um descascar da verdadeira matriz e verdadeira face deste Partido Socialista.
Bom, o texto é do Alfredo Barroso que, para os mais distraídos, foi chefe da Casa Civil de Mário Soares enquanto Presidente da República, amigo de Soares, socialista de há muitos anos. Convenhamos que não é um qualquer zé saído das berças das juves partidárias que debita o que aqui se plasma.
(Fizeram-se correcções a este post em 03-09-2007, a sugestão de um leitor e respeitantes a Alfredo Barroso, involuntariamente confundido com Eduardo Barroso. A ambos e aos leitores as nossas desculpas).
OS POBRES QUE PAGUEM A CRISE!
Por Alfredo Barroso

O ESTADO de completa devastação ideológica em que se encontra o PS pode ser avaliado pelos resultados obtidos ao cabo de dois anos de governação. Empenhado em meter o país nos eixos, o Executivo chefiado pelo sempre severo e temível engenheiro Sócrates cometeu uma proeza (in)digna de qualquer partido socialista que se preze: uma redução rápida e brutal do défice do orçamento do Estado e uma subida vertiginosa das desigualdades sociais; um aumento algo pindérico da taxa de crescimento do PIB e uma diminuição bastante significativa do poder de compra dos trabalhadores. Mais: enquanto o desemprego se situa a um nível muito alto e a precariedade se generaliza, as grandes fortunas prosperam, tendo crescido 35,8 por cento em relação a 2006. Um escândalo. Se estes são resultados dignos de um governo socialista, vou ali e já venho.
BEM PODEM tentar desqualificar-me, chamando-me «esquerdista», «demagogo» e «populista». Os números são bastante claros, não fui eu que os inventei. «Esquerdista» é o Instituto Nacional de Estatística, «demagogo» é o Instituto do Emprego e Formação Profissional, «populista» é o Eurostat. O certo é que as diferenças de rendimentos entre ricos e pobres, em Portugal, atingiram uma dimensão inédita, batendo um novo record: ao contrário da tendência que se regista na União Europeia, o fosso salarial entre ricos e pobres alarga-se e situa-se, agora, duas vezes e meia acima da média comunitária. Além disso, Portugal é o país europeu que menos investe em segurança social. O desemprego de longa e muito longa duração cresceu assustadoramente e já representa quase metade do total de 470 mil desempregados. Há 250 mil desempregados com menos de 35 anos e 124 mil com mais de 44 anos. O PS bem pode limpar as mãos à parede.
PARECE ABSURDO que o combate à crise económica e financeira, levado a cabo por um governo pretensamente socialista, em nome dos superiores interesses do país, resulte em maiores desigualdades sociais, mais precariedade, mais desemprego e mais pobreza, ao mesmo tempo que as grandes fortunas aumentam vertiginosamente. Mas, como dizia Napoleão, «em política, o absurdo não é um obstáculo». Não se contesta o papel crucial da propriedade privada e do capital no desenvolvimento de uma sociedade aberta, livre e democrática. Mas é legítimo perguntar que contribuição têm dado os mais ricos para combater esta crise tão grave. Queixam-se de que o Estado os estrangula, mas a verdade é que as suas fortunas crescem a olhos vistos, ao mesmo tempo que as classes médias empobrecem e os trabalhadores sofrem os efeitos da técnica da banda gástrica que este Governo decidiu aplicar-lhes para lhes reduzir o apetite. O que é indecente.
É VERDADE que a devastação ideológica que se verifica no PS remonta ao tempo do inefável engenheiro Guterres. Mas o «pico do incêndio» só foi atingido agora, sob a égide do intratável engenheiro Sócrates. A perda de quaisquer estímulos ideológicos na luta política gerou um vazio ao nível das ideias, das convicções e dos princípios, dando lugar a uma nova classe de políticos mais sensíveis a motivações materiais, a interesses pessoais e de poder. Foi a vitória do sentido de oportunidade (para não lhe chamar outra coisa mais feia) e do pragmatismo sem princípios.
AS CHAMADAS «práticas clientelares» (mais evidentes ao nível autárquico) e de «governo paralelo» (das grandes empresas e interesses financeiros) impõem-se, hoje, aos partidos do «bloco central». Por isso, não espanta que a passagem do poder do PSD para o PS (e vice-versa) não seja mais do que «saltar do lume para a frigideira». Dizem as boas línguas que o Governo do engenheiro Sócrates tem feito «reformas muito corajosas». Eu, que sempre fui má-língua, limito-me a perguntar: é preciso coragem para exigir aos pobres que paguem a crise?!
«Sol», 1 de Setembro de 2007

3 comentários:

Anónimo disse...

Ainda há SOCIALISTAS

Anónimo disse...

Quem fala assim não é gago. Acho que está plenamente certo.

Anónimo disse...

Só uma correcção. É Alfredo Barroso, não Eduardo Barroso! Jornalista, não médico. Ler em http://www.asa.pt/autores/autor.php?id=1651

Não deixa de ser relevante o comentário.


Maria Viana