Um bom texto de Fernando Marques. Publicado no JN.
Ganância
2008-05-31
Há uns batoteiros que fazem fortunas todos os dias a especular com bens essenciais nas bolsas de valores. O preço desta ganância vai subindo em cadeia até ao elo mais fraco: o consumidor pobre e desventurado.
Um pavão qualquer, a banhos de sol no seu iate, dá umas ordens de compra e venda entre duas passas num charuto e o arroz desaparece das escudelas das crianças africanas em agonia de fome.
O capitalismo exprime-se nos nossos dias como uma sociopatia à escala global. O regime económico que fez crescer o Ocidente, temperado na maior parte do seu percurso por sistemas políticos democráticos, estendeu-se a novos territórios - China, Índia... - que estimulam a sua natureza ávida, amoral e feroz. A febre do lucro campeia à rédea solta, violenta e sem remorso, e o mundo assusta-se.
Por que é que a China e a Índia crescem a mil à hora sob a sineta capitalista? Porque, além de possuírem mercados internos gigantescos e vorazes, os seus trabalhadores têm poucos direitos e os seus patrões poucos deveres. Eis a velha fórmula de sucesso do capital: operário dócil e miserável, amo rico e todo-poderoso. O Ocidente, esmagado por esta avalancha perversa e avassaladora, pressente a ameaça aos seus privilégios. Mas, incapaz de ser recriar a partir da virtude, torna-se bulímico, guloso. Gula: um dos pecados capitais.
O problema é que uma democracia não pode decretar o feudalismo laboral. Pode chegar lá, mas tem que adocicar o processo. Entra em cena o eufemismo. Meus amigos, diz o empresário, vamos tornar a nossa empresa mais competitiva. Quer dizer: vai haver despedimentos. Meus amigos, diz o Governo, os trabalhadores têm que ser mais flexíveis. Quer dizer: uma mão cheia de direitos vai de uma assentada por água abaixo.
Menos direitos, mais medo. Mais medo, menos protestos. Menos protestos, mais docilidade. A fórmula mágica. Lá no alto mar, a banhos de sol no seu iate, o pavão aplaude as democracias que se submetem à voz do dono: o capital. Mais umas quantas ordens de compra e venda, entre duas passas no charuto, e tem o dia ganho.
2008-05-31
Há uns batoteiros que fazem fortunas todos os dias a especular com bens essenciais nas bolsas de valores. O preço desta ganância vai subindo em cadeia até ao elo mais fraco: o consumidor pobre e desventurado.
Um pavão qualquer, a banhos de sol no seu iate, dá umas ordens de compra e venda entre duas passas num charuto e o arroz desaparece das escudelas das crianças africanas em agonia de fome.
O capitalismo exprime-se nos nossos dias como uma sociopatia à escala global. O regime económico que fez crescer o Ocidente, temperado na maior parte do seu percurso por sistemas políticos democráticos, estendeu-se a novos territórios - China, Índia... - que estimulam a sua natureza ávida, amoral e feroz. A febre do lucro campeia à rédea solta, violenta e sem remorso, e o mundo assusta-se.
Por que é que a China e a Índia crescem a mil à hora sob a sineta capitalista? Porque, além de possuírem mercados internos gigantescos e vorazes, os seus trabalhadores têm poucos direitos e os seus patrões poucos deveres. Eis a velha fórmula de sucesso do capital: operário dócil e miserável, amo rico e todo-poderoso. O Ocidente, esmagado por esta avalancha perversa e avassaladora, pressente a ameaça aos seus privilégios. Mas, incapaz de ser recriar a partir da virtude, torna-se bulímico, guloso. Gula: um dos pecados capitais.
O problema é que uma democracia não pode decretar o feudalismo laboral. Pode chegar lá, mas tem que adocicar o processo. Entra em cena o eufemismo. Meus amigos, diz o empresário, vamos tornar a nossa empresa mais competitiva. Quer dizer: vai haver despedimentos. Meus amigos, diz o Governo, os trabalhadores têm que ser mais flexíveis. Quer dizer: uma mão cheia de direitos vai de uma assentada por água abaixo.
Menos direitos, mais medo. Mais medo, menos protestos. Menos protestos, mais docilidade. A fórmula mágica. Lá no alto mar, a banhos de sol no seu iate, o pavão aplaude as democracias que se submetem à voz do dono: o capital. Mais umas quantas ordens de compra e venda, entre duas passas no charuto, e tem o dia ganho.
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