MÁSCARAS E SERVIÇO PÚBLICO
Vasco Graça Moura
escritor
Palavra de honra que eu não fazia tenções de, tão cedo, voltar a falar da ASAE. Mas as notícias emocionantes do último fim- -de-semana funcionaram como catalisador e espevitaram brilhantemente o meu zelo cívico.
Palavra de honra que eu não fazia tenções de, tão cedo, voltar a falar da ASAE. Mas as notícias emocionantes do último fim- -de-semana funcionaram como catalisador e espevitaram brilhantemente o meu zelo cívico.
Já aqui há tempos o respeitável inspector- Geral da ASAE tinha dito, no Expresso da Meia-Noite, que alguns agentes do seu serviço surgem de carapuça nas feiras porque poderia ser desagradável para eles, que por vezes são vizinhos de gente ligada aos feirantes, serem reconhecidos na vida de todos os dias.
Esta forma de assegurar um bom ambiente convivial de vizinhança e a informação sobre o treino do pessoal da ASAE com serviços secretos e polícias estrangeiras é que produziram em mim o déclic triunfal. Eis a solução para muitos problemas!
Pensei logo nos professores. Se receberem treino de manejo de armas e de explosivos, operações de comandos, pantominas de assalto e circulação de capuz negro, não apenas ficam ao abrigo da deterioração eventual das suas relações de vizinhança e proximidade, como podem cumprir muito mais eficaz e corajosamente a sua insubstituível missão.
Os professores têm sido vítimas das mais inqualificáveis violências, quer da parte de alunos, quer da parte dos pais deles. Pois bem, se tiverem preparação militar, aprenderem a manejar uma pistola de guerra ou uma bazuca e se apresentarem nas escolas de cabeça coberta e com uniforme acolchoado correspondente, as vantagens saltam aos olhos:
Primeiro, sentirão as orelhas e o nariz muito mais agasalhados, o que não é despiciendo atentas as inóspitas condições de alguns estabelecimentos de ensino. Segundo, não podem ser reconhecidos, o que facilita as substituições, por exemplo, quando o professor de Matemática falta e a aula de Matemática é dada pelo de Educação Física, com óbvia solução de muitos problemas de gestão de pessoal. Sem contar que ficam ao abrigo das agressões intempestivas dos encarregados da educação. Quando um aluno é castigado, tem más notas ou chumba sem apelo nem agravo, como é que eles vão saber de que professor se trata? Como é que hão-de ir à escola tirar-lhe satisfações, insultá-lo, partir-lhe a cara, ou mesmo fazer-lhe uma espera traiçoeira, pelo lusco-fusco, à porta de casa? Terceiro, com esse musculado adestramento, os professores podem manter o respeito e a disciplina muito mais facilmente. Não só pela razão saudável de que os alunos ficarão deveras acagaçados ante uma figura mascarada que lhes explica que não foi o Marquês de Pombal quem descobriu o caminho marítimo para a Índia ou tenta dar-lhes a perceber que o nome predicativo do sujeito não é um disjuntor, mas ainda porque é muito mais difícil, se não de todo impossível, ajustarem contas com o docente cá fora.
E, quanto aos incidentes ocorridos no próprio espaço da aula, os resultados serão igualmente positivos: se o menino Zacarias tentar agredi-lo, ou se o menino Eleutério se lembrar de dar cabo da carteira ou do computador, ou ainda se se puser a tirar macacos do nariz e a beliscar o rabo do menino Teodoro até espirrar sangue, o professor, convertido em atirador especial, pode puxar da Parabellum e acertar na cabeça do menino Zacarias ou do menino Eleutério sem correr o risco de atingir o inocente menino Teodoro ou a omoplata frágil da menina Cátia Vanessa.
Depois de duas ou três cenas deste género, não pode haver quaisquer dúvidas de que o aproveitamento escolar melhorará exponencialmente e de que todos os professores, mesmo os que prestam serviço nas escolas mais problemáticas, podem viver descansados e sentir-se plenamente realizados na carreira que escolheram.
O mesmo princípio pode ser adoptado noutros serviços de interesse público. Ocorrem-me os revisores da Linha de Sintra, os condutores dos autocarros nocturnos e muitos outros.
Tudo o que é preciso é que passe a haver regulamentos que tornem isto possível. Depois, não terão sido os professores quem fez os regulamentos, tal como acontece com a ASAE que se limita a cumpri-los. E finalmente viveremos numa democracia digna desse nome e da actuação mascarada de quantos lhe prestam serviço.
2 comentários:
Como professor, só posso aplaudir a sugestão. Não só poríamos em prática a defesa nos termos em que VGM propõe, como ainda poderíamos atacar quem nos está colocando neste "toma lá e não respondas".
Texto muito bom, de facto. Vão começar a aparecer mais textos deste tipo, pois a indignação cívica começa a atingir o nível paroxísmico.
"Os professores têm sido vítimas das mais inqualificáveis violências, quer da parte de alunos, quer da parte dos pais deles." Eu sei, com um saber de experiência feito, o que isto significa. E posso atestar, a veracidade do que é dito em seguida, acerca das vantagens do treino militar (ou, no meu caso, de combate - não o "bushido" mas o "budo"): já me foi precioso para matar à nascença acções que poderiam ter sido muito graves. E isto não é uma brincadeira, uma qualquer conversa da "treta" lá pelo hemiciclo.
Gosto especialmente da última afirmação do escrito: "E finalmente viveremos numa democracia digna desse nome e da actuação mascarada de quantos lhe prestam serviço".
Aproveito o ensejo e o balanço, para deixar aqui o convite à participação no passatempo com prémio que está a decorrer lá pelo meu sítio. Conto com a sua (vossa) preciosa colaboração, para a escrita de um comentário bem crítico.
Se, por acaso, não concorda com esta espécie de publicidade que aqui faço, pode sempre apagar o meu comentário. Ok? ;)
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